“Não bebo vinho rosé
porque rosa não é cor de macho!” OK, talvez essa seja uma formulação extrema e
especialmente babaca, mas a verdade é que ainda há uma certa rejeição do
público – mesmo considerando os apreciadores de vinhos! – para os injustiçados rosés.
Tem gente que acha que não é vinho “de verdade”, ou que não é “sério”. Besteira.
Os espumantes rosés podem ser tão sérios quanto quaisquer outros espumantes
brancos, e o mesmo vale para os vinhos rosés sem borbulhar. Portanto, se ainda
tiver algum preconceito, dispa-se dele e me acompanhe por uma degustação de
três bons espumantes rosés brasileiros, todos com ótimo custo-benefício!
O processo produtivo
Na segunda parte desta matéria sobre espumantes nacionais,
falamos sobre os diferentes métodos de produção de espumantes, mas não falamos
nada sobre sua coloração. É chegada a hora de fazê-lo. Algumas pessoas
acreditam que os espumantes rosés sejam obtidos por meio de uma mistura entre
vinhos brancos e tintos, um tipo de “gambiarra” usada pelas vinícolas para
obter uma coloração diferenciada. Alguns até podem ser cortes de uvas brancas e
uvas tintas. Mas não é isso que explica o processo e a coloração. Para entender
como um vinho pode chegar a ter essa coloração rosada, vamos primeiro repassar
o básico sobre a coloração dos vinhos.
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A maceração das uvas para
a produção de vinho tinto.
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Vinhos tintos são feitos de uvas tintas, ou seja, variedades
de uvas de coloração escura. Só que, se você pegar uma uva tinta e espremê-la
(pode inclusive fazer isso com aquelas variedades comestíveis que a gente compra
no fruteiro, como a Niágara), vai notar que sua polpa e seu suco são brancos. A
cor está toda na casca. Ora, o vinho é obtido a partir da fermentação do suco
de uva, extraído da polpa. O suco de uma uva tinta é branco – então, como é que
o vinho é tinto? O vinho adquire sua coloração característica durante o
processo denominado maceração. Para a produção do vinho, as uvas são esmagadas
e o suco começa a fermentar ainda em contato com as cascas das uvas. Nesse período,
o mosto de uvas (o suco ainda não inteiramente fermentado) extrai da casca algumas
substâncias, como compostos aromáticos, taninos e antocianos – estes responsáveis
pela coloração. Nesse processo, o álcool age como uma espécie de solvente para
potencializar a passagem desses compostos das cascas para o mosto. Ou seja: para
adquirirem sua característica coloração escura, os vinhos tintos passam por uma
maceração em que ficam em contato com as cascas. Se não houver contato nenhum
com elas, o vinho resultante seria branco – mesmo em se tratando de uma uva
tinta. Isso explica por que muitos espumantes brancos são feitos usando uvas
tintas, como a Pinot Noir.
Mas e se, durante a maceração de uvas tintas, o mosto ficar “só
um pouquinho” em contato com as cascas? É aí que temos os rosés. Rosés,
portanto, são vinhos elaborados com uvas tintas que passaram pouco tempo em
contato com as cascas durante a maceração. Isso faz com que eles tenham a
leveza dos brancos (ausência de taninos, normalmente também a acidez) e, ao
mesmo tempo, alguns dos aromas dos tintos, especialmente aqueles de frutas
vermelhas (cerejas, framboesas, amoras, cassis etc.) – que se encontram em muitas
uvas tintas. No caso dos espumantes, seu sabor é um tiquinho mais marcante que
o dos brancos, o que faz com que o espumante rosé seja um aliado útil para
harmonizações difíceis. A coloração, porém, não tem nada a ver com a doçura. Algumas
pessoas associam vinhos rosés a vinhos doces, o que não tem nada a ver: a
doçura vai depender da quantidade de açúcar residual que o produtor quiser
deixar em seu vinho. Há rosés super secos, bem como outros um pouco mais
adocicados.
Espumantes rosés
Os espumantes rosés não ficam devendo nada aos brancos. Podem
ser tão complexos quanto eles e admitem a mesma variedade de perfis e
sensações. Há rosés feitos pelo método tradicional e pelo método Charmat. Há
rosés mais secos, outros mais doces. Há os baratos e há também os muito caros.
O que unifica quase todos é que, em vez dos aromas frutados associados às uvas
brancas (frutas cítricas e de caroço, por exemplo), surgem amiúde as frutas
vermelhas ao lado dos toques de panificação, tostado e frutos secos advindos do
fermento. Escolhi três espumantes rosés nacionais, todos situados numa faixa de
preços ligeiramente inferior aos brancos da última postagem, para dar aos meus
leitores algumas boas opções para conhecer o estilo.
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Começo pelo mais barato, que apresenta um invejável
custo-benefício: o Lovara Brut Rosé.
A Lovara é uma vinícola localizada no município de Bento Gonçalves, no RS –
portanto, nas proximidades daquela faixa de terras denominada Vale dos
Vinhedos, famosa pelos seus espumantes de excelência. Tem como peculiaridade o
fato de ser feito 100% a partir de uvas da variedade Grenache, pouco cultivada
no Brasil, mas muito comum na Espanha (onde é conhecida como Garnacha) e na
França. A Grenache costuma apresentar coloração amena e muita frutosidade,
motivo pelo qual é usada frequentemente nos vinhos rosés franceses. O Lovara Brut Rosé é produzido pelo
método Charmat, que permite preservar todos esses aromas frutados da variedade,
mas sem abdicar dos ricos aromas de fermentação. Na taça, ostenta uma coloração
rosada intensa, com perlage bem discreto. No aroma, predominam fortemente as
frutas vermelhas, com destaque para morangos maduros. Ao fundo, flores brancas,
nozes tostadas e massa podre, compondo um conjunto que lembra uma torta de
morangos. Apesar da suculência das frutas, na boca ele é bem seco, com acidez
bastante expressiva e refrescante e um final perceptivelmente amargo, de grande
persistência e que pede novo gole. O corpo é bem leve e crocante (como é comum
nos espumantes secos feitos pelo método Charmat), com carbonatação expressiva.
Trata-se de um espumante fresco, vívido e refrescante, que se destaca pelas
frutas vermelhas e pelo amargor. Na faixa dos R$ 30, é uma excelente compra
para momentos descompromissados de celebração.
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Fonte:
http://etilicasnotas.blogspot.com.br/
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O segundo rosé desta seleção é feito pelo gigante Miolo Wine Group – aposto como você já tomou algum Miolo na vida, quer tenha notado, quer
não. A Miolo possui uma série de propriedades no RS, mas este rótulo em
especial é produzido na própria vinícola Miolo, localizada também no Vale dos
Vinhedos, em Bento Gonçalves. O Miolo
Cuvée Tradition Brut Rosé é produzido pelo método tradicional, com 12 meses
de maturação sobre leveduras. Interessante notar que ele não é feito apenas com
uvas tintas: ele é produzido com as variedades Chardonnay (branca) e Pinot Noir
(tinta) – por sinal, as mesmíssimas usadas na versão branca do mesmo vinho. O
que muda, apenas, é o tempo de contato com as cascas da Pinot Noir. Na safra
2011, apresentou coloração escura e vibrante, numa tonalidade cereja escura (o
que indica que o Pinot Noir passa um bom tempo com as casca para extrair
coloração), com pouco perlage e creme fugaz, parecendo até um vinho tranquilo
na taça, e não um espumante. O aroma é pleno e intenso, embora pouco complexo
para o método tradicional: destacam-se as frutas vermelhas, com destaque para
cerejas e groselha, com uma camada de panificação (biscoito de forno e pão
fresco) se revelando apenas com o tempo. Na boca é menos interessante: é
relativamente seco, mas tem acidez muito suave para meu gosto e termina num
final um pouco inexpressivo e fechado. Não tem amargor, ao contrário de muitos
outros rosés – para alguns, isso é qualidade a se destacar, já que há quem
considere o amargor um defeito nos rosés (não é o meu caso). É um rótulo que
ousa pouco na boca, e por isso mesmo tem potencial para agradar um número maior
de pessoas. O corpo é mediano, com alguma cremosidade. Na faixa dos R$ 40, é
uma boa opção para conhecer um rosé elaborada pelo método tradicional, mas eu
gostaria de que ele fosse mais ousado.
Fonte: |
Deixo para o final, com o devido destaque, um rosé elaborado
pela tradicional vinícola Dal Pizzol, localizada em Bento Gonçalves, também na
região do Vale dos Vinhedos. O leitor atento terá notado que eu selecionei,
nesta matéria, 6 espumantes da mesma região, o Vale dos Vinhedos, na Serra
Gaúcha – trata-se do nosso terroir mais destacado para a produção de espumantes
de alta qualidade. O Dal Pizzol Rosé Brut
é feito com as variedades Chardonnay e Pinot Noir, com a peculiaridade de que
os vinhos de base são misturados ainda antes da fermentação primária, quando
são apenas mosto. Ele é feito pelo método Charmat, com 60 dias de contato com
as leveduras após o fim da refermentação, propiciando a surgimento de aromas
associados às leveduras. Sua coloração é bonita, delicada e peculiar, a mais
clara dos três espumantes analisados aqui, oscilando entre o salmão, o rosado e
o alaranjado, com perlage disperso. Seu aroma é pleno, vibrante e complexo, com
boa interação entre frutas e toques de panificação. Predominam os morangos,
frescos e maduros, aos quais se somam baunilha, algum tostado e uma profusão de
frutos secos (amêndoas torradas e nozes), em boa intensidade. O final traz uma
sensação cítrica lembrando suco de laranja, muito refrescante. Na boca tem
pegada e personalidade: há um amargor inicial muito fino, que dá lugar à acidez
predominante (com sensação de suco de laranja), finalizando novamente com o
suave amargor. Uma doçura suave de segundo plano, correta, acompanha todo o
gole. O corpo é leve e crocante. Na minha opinião, é o mais interessante dos
três, complexo e atrevido, provando que um bom espumante elaborado pelo método
Charmat pode fazer frente a outros feitos pelo método tradicional – caso do
Miolo analisado acima. Pode ser encontrado a partir dos R$ 50, configurando uma
ótima compra para celebrar.
Caso você duvidasse da qualidade dos vinhos brasileiros, espero
que, a esta altura, 6 rótulos depois, você tenha sido convencido de que, pelo
menos no que toca aos espumantes, temos um monte de rótulos interessantes que
oferecem uma ótima oportunidade de beber bons produtos sem pagar tão caro. E
espero também que eu tenha conseguido despertar, nos meus colegas cervejeiros,
pelo menos uma vontade de pular a cerca e provar alguns vinhos de vez em
quando. Por conta da carbonatação, os espumantes podem ser alguns dos vinhos
mais próximos das fronteiras com o mundo cervejeiro. Então que tal começar por
um desses seis bons espumantes nacionais? Duvido que você vá se arrepender!