Como assim, vinho? Este não é um blog sobre cervejas? Um
blog virilmente másculo (ui!), autenticamente popular, descontraído, alegremente
jovem, cheio de brasilidade? Vinho não é aquela bebida cara que se bebe em
restaurantes esnobes de toalha branca quando se quer impressionar alguma mulher
metida a besta no primeiro encontro?
Fonte: http://www.yelp.com/ |
Preciso dizer que a resposta a todas as perguntas acima é negativa?
A secular guerra dos vinhos contra cervejas não começou ontem e parece bem
longe de terminar. Também, pudera: com o teor alcoólico somado dos dois
combatentes, qualquer guerra vira playground, e não me espanta que ninguém mais
queira ir para casa! Sommeliers e
enófilos frequentemente fazem uma discreta careta de desdém para as cervejas e
voltam a seus saca-rolhas e seus decanters, imbuídos de uma suposta
superioridade cultural e gastronômica do vinho. Já os apreciadores de cerveja
costumam repudiar os próprios vinhos junto com o habitual esnobismo da cultura
da enofilia – enquanto reproduzem seus mesmos hábitos, diga-se de passagem. Conhecemos
os lugares comuns. Cerveja é para homem, vinho é para mulher. Cerveja é alegre,
vinho é chique. Cerveja é popular, vinho é elitizado. Cerveja é barata, vinho é
caro. Cerveja se bebe no bar, vinho se bebe no restaurante. Cerveja celebra a
amizade, vinho celebra o amor. Nunca se deve misturar vinho e cerveja, senão
você vai passar mal para sempre! E bla-bla-bla-bla.
Chegamos até mesmo a dividir o globo terrestre em supostas
zonas de influência histórica do vinho e da cerveja, completamente alheios ao fato
de que pouquíssimas sociedades na história da humanidade consumiram uma das
bebidas à exclusão da outra. Os antigos romanos, tidos como grandes
representantes históricos do vinho (eles tinham até deus para o fermentado de
uva!), também plantavam cevada e faziam muita cerveja, em geral consumida entre
as classes mais populares. Os ultracervejeiros alemães da Reinheitsgebot e da
pureza cervejeira (“apenas malte, água e lúpulo hão de passar por nossos
lábios!”) importavam vinho da França nas cortes – onde, nunca é demais lembrar,
falava-se francês. Nem a Grã-Bretanha, insular terra das ales, manteve qualquer
tipo de exclusivismo: além de fazer cerveja de primeira, a Inglaterra bebia tanto
vinho que chegou a incentivar a criação de um tipo de vinho especialmente para
eles: o vinho do Porto. Além, é claro, de importar hectolitros da França, ali
do outro lado do canal da Mancha. Exclusivismo cultural e patriotismo cego são aberrações
da nossa época – nossos antepassados praticavam a incorporação e mistura.
Kultur gegen Zivilization
E de onde vem a secular querela dos fermentados? Eu não sei
ao certo, mas está aí um excelente tema de estudo para os historiadores da
cultura se ocuparem. (ops, parece que eu sou um deles!) Sabe aquele momento em
que o seu amiguinho da pré-escola roubou o seu apontador em formato de moto,
dando início a uma amarga inimizade que se estenderia até o final do Ensino
Médio? Qual teria sido essa agressão fatal na guerrinha de Kindergarten que
opõe gerações de enófilos e bebedores de cerveja? Minha intuição histórica (uma
palavra mais chique para “palpite”) me sugere que a Alemanha da passagem do
século XVIII para o XIX, se não foi o campo inicial de batalha, pelo menos foi
palco de uma importantíssima escaramuça dessa história.
Ao final do século XVIII – convém lembrá-lo ao leitor que
faltou a algumas aulas de História do colégio – a Alemanha não era um país.
Antes, era um conjunto de pequenos reinos e coroas independentes e
politicamente desunidas. Nas cortes desses pequenos reinos, era comum que a
nobreza reivindicasse ascendência francesa, ou pelo menos falasse francês nas reuniões sociais e adotasse o estilo de
vida da nobreza francesa setecentista – que, afinal de contas, era o must do século XVIII em termos de luxo e
opulência. Hoje em dia, se você realmente quer esbanjar, vai viver como se
fosse um rapper norte-americano, rodeado de garotas de microssaia e
estacionando sua coleção de carros esportivos na garagem da sua mansão em Los
Angeles. Naquela época, vivia-se como o rei Luís XIV. Eram outros tempos.
Foi nesse contexto que a burguesia intelectual alemã – a “classe
média” da época – se contrapôs à nobreza. Essa oposição tinha a particularidade
de se concentrar nos aspectos culturais do modo de vida da corte. Na França, a
burguesia ascendente, detentora de poder econômico, havia elaborado uma crítica
à nobreza em termos eminentemente econômicos e políticos, levando às reformas
da ilustração e eventualmente à revolução francesa. Mas na Alemanha, uma classe
média de limitado poder econômico escolheu a cultura como ponto de honra de sua
luta contra a nobreza. Assim, criticaram os valores afrancesados, estrangeiros,
superficiais e afetados da Zivilization
francesa (o modo de vida da nobreza) e enalteceram as virtudes da Kultur popular alemã, supostamente mais íntegra,
verdadeira, autêntica e profunda em seus hábitos e valores. Em poucas décadas,
o que era uma querela entre classes sociais nos territórios alemães
converteu-se em uma briga entre países e zonas de influência no continente
europeu. A França napoleônica com sua esnobe e afetada civilização; enquanto a
Alemanha estaria firmemente apegada a sua autêntica e íntegra cultura. França
contra Alemanha. Elegância contra eficiência. Discrição contra algazarra.
Sofisticação contra autenticidade. E bla-bla-bla-bla.
A fronteira entre vinhos e cervejas é geralmente vista como
coincidente com os limites geográficos entre as sociedades de cultura germânica
(ao norte/leste europeu) e as de cultura latina (ao sul/oeste europeu).
Imaginamos romanos bebendo vinho em finas taças de estanho, e bárbaros
germânicos bebendo cerveja em pesados canecos de pedra, não é mesmo? Na zona de
fronteira entre os dois mundos culturais, França e Alemanha se entrechocam e
trocam insultos há pelo menos 150 anos. Conheço alemães que, até hoje,
consideram que a Alsácia ainda é um território alemão usurpado pela França. A
batalha dos fermentados – vinho de um lado, cerveja do outro – é a expressão
cultural e gastronômica dessa querela à qual a burguesia intelectual alemã deu
um vigoroso pontapé nos tempos de Goethe e Schiller.
Sim, existem fatores climáticos objetivos. Existe uma
determinada latitude ao norte da qual o cultivo da uva é muito difícil. Essa
fronteira se situa mais ou menos na região francesa de Champagne, já quase na
fronteira nordeste com a Bélgica e a Alemanha. Alguns passos para o sul, e as
uvas atingem perfeita maturação. Alguns passos para o norte, e são os pés de
lúpulo que dão majestosas flores amargas, enquanto as colheitas de grãos são
abundantes. Mas isso não basta, por si só, para justificar toda essa briga. Não
associamos o vinho e a cerveja apenas e tão-somente a territórios: associamo-los
a culturas e valores. O clima não basta para explicar isso, embora possa dar um
empurrãozinho. O resto fica por conta do trabalho da mente humana de investir o
mundo de significado. Mas claro que tudo isso não precisa ser assim.
Convencionou-se pensar dessa forma, associar a vinho a isso ou a aquilo, e a
cerveja a tal e qual. Que tal repensar e formar a sua própria opinião?
Vamos beber vinho?
Esta postagem é um apelo a todos os meus colegas
cervejeiros: deixemos os preconceitos de lado e aprendamos a nos deliciar com
nossos primos próximos, os fermentados de uvas. A degustação de vinhos não só é
recompensadora por si mesma, como é um interessante exercício sensorial para o
apreciador de cervejas: as sensações são próximas o bastante daquelas do mundo
cervejeiro para nos sentirmos mais ou menos em casa, como hóspedes bem-vindos,
mas também são diferentes o bastante para que tenhamos de pisar fora da nossa
zona de conforto. Conheço bebedores de cerveja que chegaram a um ponto em seu
aprendizado que praticamente fossilizaram seus sentidos. Se vão beber uma
stout, não precisam nem levar a taça ao nariz antes de começar a enaltecer os
aromas de café. A degustação se torna um automatismo monótono. Confrontar-nos
com vinhos e tentar decifrar seus segredos, ainda que de forma tateante, nos
faz voltar a olhar com frescor para o hábito de degustar, nos coloca de volta
em um terreno desafiador. Quando voltamos ao copo de cerveja, depois, parece
que nossos sentidos foram renovados. Tenho certeza de que o mesmo acontece com
enófilos calejados quando se dedicam a cervejas.
É engraçado que muitos apreciadores de cerveja “exigem” dos
enófilos que deixem de lado o preconceito contra a “loira gelada” e
experimentem a diversidade cervejeira. Reivindicam a seu favor o argumento,
verdadeiro, de que a complexidade sensorial das cervejas é tão ampla quanto a
dos vinhos. Muito justo. Mas são poucos os cervejeiros que estão realmente
dispostos a fazer o contrário e manter uma postura aberta em relação ao vinho.
Tem gente que brada conhecimento profundo sobre todos os subestilos de ales mas
ainda acha que vinho tinto tem sempre o mesmo gosto de uva e frutas vermelhas.
Abaixo os exclusivismos: os fermentados são uma grande família com a qual vale
a pena manter sempre uma postura fraterna.
Cervejas e vinhos têm algumas características diferentes.
Assim como muitos apreciadores de vinhos se assustam com o intenso amargor de
alguns estilos cervejeiros, é comum que alguns apreciadores de cerveja também
se sintam repudiados pela intensidade da acidez e pelos mordazes taninos de
alguns vinhos especialmente inclementes. O equilíbrio gustativo da maioria das
cervejas está no balanço entre doçura do malte e amargor do lúpulo. No caso dos
vinhos, esse equilíbrio se observa entre a doçura residual e a acidez das uvas.
Entender isso é um importante primeiro passo para não fazer careta. Assim como
estilos muito amargos são uma barreira para quem está começando a beber cerveja,
vinhos mais secos, tânicos e ácidos (sobretudo os do Velho Mundo) costumam
desafiar quem está começando a beber vinho.
Não se prenda ao preconceito bobo de que vinho é caro e
esnobe. Desfaçamos esses dois mitos. Quanto ao primeiro, cervejas artesanais custam
tanto quanto bons vinhos, pelo menos aqui no Brasil. Aliás, eu tenho bebido
bastante vinho depois que descobri que, para quem não tem tanta litragem nos
territórios de Baco, fica mais barato beber novos vinhos do que acompanhar as
novidades do mercado cervejeiro brasileiro (que está ficando assombrosamente
caro). Você pode achar que uma garrafa de um bom vinho, ali na faixa dos R$ 50,
é bem mais cara do que uma cerveja média. Mas não se esqueça de que vinhos vêm
(usualmente) em garrafas de 750ml e que têm teor alcoólico entre 11% e 15%.
Isso significa que uma garrafa de vinho provavelmente vai te saciar tanto
quanto umas quatro ou cinco long necks de uma cerveja de médio teor alcoólico,
ali na faixa dos 6-7% ABV. É perfeitamente possível dividir uma garrafa de
vinho em duas pessoas sem miséria. Por isso, o preço unitário menor da cerveja
acaba sendo ilusório no contexto geral de consumo.
Se aquele seu tio bebedor
de vinho é um chato
de galochas, parabéns, a culpa é só dele.
Fonte: |
Quanto à ideia de que vinho é esnobe, livre-se dela. Esnobes
são as pessoas, e não as bebidas. Seu vinho só vai ser esnobe se você for
esnobe com ele. Outra ideia boba da qual vale a pena se libertar é o dogma de
que não se deve misturar vinho e cerveja, porque você supostamente passaria
mal. O que faz passar mal é a quantidade de álcool e, quando você acumula
bebidas, tende a ingerir mais álcool. Fora isso, não tem interferência nenhuma.
É perfeitamente possível começar sua noite numa cervejinha e depois partir para
um vinho sem enfrentar dor de cabeça no dia seguinte. Jantares harmonizados com
cervejas e vinhos oferecem ótimas oportunidades de degustar ambos e vão te dar
uma enorme flexibilidade e uma gama maior de opções para harmonizar. Seu bife
de chorizo implora pelos taninos de um vinho tinto bem estruturado, e a mousse
de chocolate vai ficar matadora com uma imperial stout ou uma kriek lambic.
Uma sugestão de compra
Para incentivar quem acompanha este blog a mergulhar no
maravilhoso mundo dos vinhos, escolhi um rótulo a título de sugestão. Sou
apreciador de vinhos, mas infelizmente meus conhecimentos sobre fermentados de
uva são bem mais limitados do que sobre os de cevada. Mas isso não me impede de
e compartilhar o pouco que sei. Estou ciente de que meus leitores, em sua
maioria, não são entusiastas de vinho e não estariam dispostos a gastar muito
dinheiro ou procurar lojas especializadas só pela curiosidade de beber um
vinho. Por isso optei por um rótulo clássico, de ótimo custo-benefício, que se
encontra com muita facilidade em supermercados e que não assusta o paladar. Aos
iniciantes no mundo dos vinhos, recomenda-se quase sempre que comecem pelos
vinhos do Mercosul (Chile e Argentina), mais baratos, de boa qualidade e normalmente
feitos em um estilo que agrada com facilidade.
É de uma das vinícolas mais emblemáticas e famosas do Chile
que vem minha sugestão de hoje. Trata-se de um vinho que você vai encontrar ali
na faixa dos R$ 30-35 em qualquer supermercado: o Casillero del Diablo Cabernet Sauvignon 2011, da gigante Concha y
Toro, famosa pela consistência e pelo custo-benefício de seus rótulos. A linha
Casillero del Diablo é uma linha intermediária da vinícola, com vinhos varietais
(feitos com apenas uma variedade de uva) limpos e de boa tipicidade,
ligeiramente mais elaborados, mas ainda não tão caros quanto seus vinhos de
mais alto pedigree. Estou indicando algo como a Eisenbahn dos vinhos
sul-americanos. A uva Cabernet Sauvignon é um clássico imperdível, que qualquer
iniciante precisa conhecer. Tão amada quanto odiada, ela proporciona vinhos de
boa intensidade e estrutura, com aromas de frutas vermelhas e cassis, às vezes
um toque vegetal/verde (pode lembrar pimentão verde), com coloração intensa e
uma presença vigorosa de taninos (aquela sensação de amarrar a boca). Junto com a merlot e a cabernet franc, ela entra
no corte de um dos mais famosos tipos de vinho do mundo, o corte bordalês,
produzido na França, na região de Bordeaux.
Fonte: |
Este Casillero del
Diablo Cabernet Sauvignon é produzido no Chile na região do Valle Central,
e é fruto de um blend em que 70% do vinho maturam durante 8 meses em barricas
de carvalho americano, ganhando uma textura mais amigável e aromas ligeiramente
tostados, mas sem encobrir as frutas. É um vinho feito ao estilo do Novo Mundo,
com frutado franco e aberto. É um dos rótulos que eu gosto de ter na adega, um
curinga. Na safra 2011 (a última que eu bebi), apresentou uma coloração
vermelha bem escura, quase arroxeada. O aroma mostrou-se assertivo e limpo, sem
presença alcoólica ou química excessiva. Potentemente frutado, com bastante
cassis, amoras maduras e alguma framboesa, ao lado de resina amadeirada, um
docinho de caramelo, alguma canela sutil e um gostoso toque tostado e
achocolatado. Minha memória das safras anteriores era de este rótulo ser ainda
mais tostado e abaunilhado, mas, na safra 2011, sobressaíram-se as frutas
maduras. A moda dos vinhos pesadamente amadeirados está passando. Antes que me
perguntem, sim, a safra importa muito no caso dos vinhos, por causa das
diferenças na maturação das uvas a cada ano. Na boca, ele é razoavelmente seco,
com taninos presentes (sensação de amarrar a boca) mas acidez contida, o que o
torna mais fácil de beber e amigável, pronto para agradar aos mais diversos
paladares. Corpo intenso, adstringente, levemente cremoso. Vinho que consegue
ser agradável e marcante ao mesmo tempo, sem assustar e sem custar caro.
É possível que muitos dos meus leitores já tenham encarado,
alguma vez na vida, uma taça deste Casillero. Se não o fizeram, fica a
indicação: na próxima compra no supermercado, qual tal passar na seção de
vinhos (fica ali do ladinho das cervejas!) e levar uma das garrafas com o simpático
diabinho no rótulo? Abra-o em um jantar sem compromisso, sem esnobismo (até
porque é um vinho muito mainstream
para você se gabar) e aprecie-o em boa companhia. Para garantir que ele vá desprender bem os aromas, vale a pena arejá-lo: despejá-lo em um decanter ou jarra de suco com meia hora de antecedência seria o ideal, mas se você desarrolhar a garrafa antes e deixá-la respirando (ou deixar o vinho descansar na taça antes de beber), já vai sentir uma agradável diferença. Ele vai bem com carnes grelhadas,
e eu gosto bastante dele com massas com molho vermelho um pouco mais “encorpado”
(por exemplo, com bacon ou linguiça). Muitas vezes, harmonizar um vinho de
paladar mais desafiador vai torná-lo mais amigável. Se você já experimentou o
Casillero mas nunca deu bola para essa história de vinho, então fica o convite
para comprar mais uma garrafinha e beber com a mente aberta.
Ein prosit, salut!
Olá, Marcussi. Um tanto quanto surpreendente esse post, não esperava algo sobre vinhos. Sou totalmente leigo no assunto, mas vou ver se me enveredo por esse mundo de Baco também. Abraços
ResponderExcluirGugão, os fermentados são todos uma grande família. Em grande parte dos casos, quem rejeita esta ou aquela bebida sem nem conhecer direito está simplesmente com medo de sair de sua zona de conforto. Eu tenho lido e pesquisado sobre vinhos e, embora ainda seja um leigo, tenho me divertido horrores!
ExcluirAbraços,
Alexandre A. Marcussi
Muito interessante seu texto, Marcussi. Parabéns! Tive a oportunidade de trabalhar durante 6 meses na Europa há 7 anos atrás e uma de minhas maiores surpresas no então primeiro contato com os habitantes do Velho Mundo foi verificar a forma muitas vezes trivial, simples e agradável como eles tomavam vinhos. Ao contrário de alguns colegas brasileiros que eram iniciados no tema, foi uma grata surpresa ver os franceses com seus "pichet de vin" ou italianos com suas jarras de mezzo litro de vinho como hábitos populares. Esse FlaxFlu de vinhosxcervejas que mobilizam esse estereótipo do bebedor de vinho como alguém esnobe é muito ruim e até certo ponto contraditório. Afinal, muitas vezes os bebedores de cervejas "especiais" (essa própria expressão já denuncia a contradição) reproduzem e alimentam sem perceber práticas, digamos, elitistas, ao censurar o colega/amigo que conhece muito pouco para além das cervejas de massa. Aliás, alguns estabelecimentos e importadoras vem se aproveitando, a meu ver, dessa prática, jogando certos preços lá para cima para fazer você (nós) acreditar que "é alguém especial com hábitos nobres e distintos"; vi você outro dia citando Bourdieu e é mais ou menos nessa linha que estou pensando. Abraços, Eduardo Guimarães.
ResponderExcluirConcordo totalmente com você, Eduardo. O bebedor de cervejas especiais frequentemente reproduz o mesmo elitismo do wine-snob ao mesmo tempo em que se acha mais descolado.
ExcluirBourdieu falava no gosto como um critério de exclusão social, e é por aí mesmo. Só que ele pensava no gosto como algo que denuncia a sua origem social, algo que vem "de berço". O que vivemos consegue ser ainda mais patético do que essa concepção aristocrática do gosto de que fala Bourdieu. No Brasil e na sociedade de consumo do século XXI, vivemos uma mercantilização do gosto: ele não é herdado da minha educação e da minha origem numa elite cultural - ele é comprado com meu dinheiro. Pago caro na minha cerveja, no meu vinho, e acredito que isso automaticamente me dá uma espécie de atestado de "bom gosto" que me diferencia dos que não fazem a mesma coisa. Tenho bom gosto porque tenho dinheiro. :-(
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
O esnobismo se encontra, pasmem, entre os próprios apreciadores de vinho dentro de um mesmo país. Li em um artigo do nosso ilustre e esnobe amigo Renato Machado que existe uma intensa rivalidade entre Bordeaux e Borgonha, onde um adora menosprezar o (vinho do) outro...
ResponderExcluirAinda que prefire cerveja, também gosto de um bom vinho, mas bebo muito ocasionalmente, não tenho o hábito de consumi-lo com frequência. Os tintos chilenos me agradam bastante, costumam apresentar um bom corpo, bom frutado e uma acidez bem comedida. O diabinho recomendado é muito bom. Certa vez, paguei mais de 100 pratas num francês (Bordeaux) que apresentou uma acidez exacerbada, rascante até, e que não me agradou. Ainda estou engatinhando nesse mundo... :)
Marcussi, já sugeri a você uma vez e volto novamente: quando puder, prove a linha Marquês de Casa Concha da mesma citada vinícola chilena. É uma linha especial, um pouco mais cara, na casa dos 80 ou 90 contos. Eu provei um Cabernet Sauvignon um tempo atrás e adorei. Gostaria de ouvir sua opinião a respeito...
Grande Claudinei, bom vê-lo por aqui!
ExcluirEntão, a coisa da acidez dos vinhos é um pouco isso que vc falou mesmo: os vinhos europeus costumam ter acidez um pouco mais elevada que os sul-americanos, mesmo. Não pense nisso como um defeito: a acidez pode desafiar o paladar a princípio (sobretudo quando vem acompanhada de muitos taninos), mas é ela quem impede que o vinho se torne pesado demais ou enjoativo, e faz com que ele seja mais versátil nas harmonizações. Pense na acidez como o "brilho" de um vinho. Claro que existem vinhos em que a acidez é desequilibrada mesmo, o que é comum em europeus de baixo custo. Um Bordeaux abaixo dos R$ 40-50, por exemplo, é sempre uma roleta russa. :-) Uma acidez excessiva antigamente era muito comum nos tintos brasileiros, mas hoje em dia nossos vinhos têm melhorado.
O Marquês da Casa Concha (bem como o Don Melchor, rótulo de prestígio da Concha y Toro) é um clássico, mas eu nunca tive a oportunidade de prová-lo, até porque ele está acima da faixa de preços que me é confortável. Mas tenho curiosidade, um dia pretendo comprar uma garrafa numa data especial. E, quanto à eterna rivalidade Bordeaux vs. Borgonha, falar o quê? São quase duas filosofias do que é um bom vinho. Os sul-americanos costumam seguir mais o modelo de Bordeaux (vinhos tânicos, estruturados, mais pesados), mas os da Borgonha são excelentes também, embora mais caros e menos "confiáveis", por assim dizer.
O importante é provar sempre, enfim!
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
Mais um ótimo texto, Marcussi.
ResponderExcluirMinha relação com os vinhos é um pouco conturbada. Ao mesmo tempo que a minhas experiências com as cervejas artesanais me ajudaram a apurar a percepção aromática nos vinhos, muitas vezes não tomo vinho pois prefiro tomar uma cerveja.
Mas na semana passada, por exemplo, preferi dividir um vinho com a esposa a tomar uma uma quantidade bem menor de cerveja por um custo maior em um restaurante.
O que não gosto por aqui é a cerimonia criada para se tomar um vinho (ou uma cerveja, principalmente em restaurantes). Nunca fui em um restaurante que me serviu vinho de maneira despojada como acontece corriqueiramente em outros países.
Abraços,
Gabriel Lucas
http://factoide.com.br
Olá, Gabriel,
ExcluirO cerimonial associado ao vinho no Brasil pode ser um pouco caceteante, mesmo. Por exemplo, o hábito de servir um dedinho na taça, escolher alguém para degustar (quase sempre o homem, reforçando o machismo vigente) e perguntar antes de servir o resto. Fala sério, o cliente comum, num restaurante comum, bebendo um vinho de R$ 30-40, realmente vai saber identificar positivamente, com certeza, um vinho que está bouchoné? Vou ainda mais longe: será que o sommelier vai saber? E se o cliente não gostar por uma questão de gosto, o sommelier da casa realmente vai jogar fora a garrafa e abrir outra? Duvido muito. Essas coisas intimidam e desincentivam um pouco o consumo do vinho. Por outro lado, uma certa cerimônia é conveniente no caso de um restaurante de alta gastronomia por conta da questão da harmonização. Vale a pena aceitar a dica do sommelier para degustar o vinho que vai combinar melhor com a sua refeição. Com cervejas é a mesma coisa; senão, você vai acabar comendo salada com queijo chèvre junto com uma RIS, e a experiência não vai ser nada legal.
Eu já tive uma relação pior com o vinho. Tinha a impressão de que seria mais caro beber um bom vinho do que uma boa cerveja. Claro que, em parte, isso se devia ao fato de que eu não sabia apreciar um vinho tão bem quanto uma cerveja. Mas, desconsiderando isso, a verdade é que a cerveja está tão cara que, muitas vezes, compensa mais dividir uma garrafa de vinho, como você relatou da sua experiência com sua namorada.
Pesquisar um pouco sobre vinho nos dá uma noção um pouco mais exata de certos abusos que existem na indústria cervejeira. Por exemplo, nossas vinícolas põem no mercado excelentes espumantes feitos pelo método tradicional ("champenoise") na faixa dos R$ 40-50, com tempos de maturação muitas vezes superiores a 12 meses. Por que a gente paga tão, tão mais caro em cervejas produzidas pelo mesmo processo? Bons vinhos com 6, 8, às vezes 12 meses de maturação em barricas saem também na faixa dos R$ 40-60 reais. Cobra-se muito mais caro, por litro, em cervejas com 30, 60 dias de barricas. Como pode?
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
Com relação aos erros de serviço de um restaurante, acompanhei recentemente em um jantar em um ótimo restaurante novo daqui da minha cidade, um cliente que chegou esperando tomar uma gelada e foi convencido (até com pouco esforço) a pedir uma cerveja artesanal e o garçom lhe ofereceu a ótima Wäls Quadruppel, mas não era isso que ele esperava e os copos voltaram cheios após meia hora de briga com a cerveja.
ExcluirMe segurei para não xeretar o assunto.
E voltando ao assunto dos vinhos, me falta rodagem e conhecimento mesmo, Tenho muita dó de pagar mais de 40 reais em uma garrafa, já não tenho a mesma dificuldade de cometer algumas loucuras financeiras para tomar uma cerveja que ponho muita expectativa.
Abraços,
Gabriel Lucas
Entendo seu ponto de vista, Gabriel. Hoje em dia até me sinto um pouco mais confiante em escolher uma garrafa de vinho mais cara, mas ainda assim prefiro pedir o auxílio de um sommelier. O esquema dos clubes de assinatura funciona bastante bem nesse caso. Depois de uma péssima experiência com um clube famoso, eu atualmente sou feliz assinante de um que não tem me deixado na mão. Gasto R$ 50 sem preocupação numa garrafa que eles me recomendem. E é claro que, com o tempo e depois de algumas leituras, você começa a decifrar você mesmo o caminho das pedras e também cria suas próprias expectativas, do tipo "quero muito provar um Riesling da Alsácia!" (e aí você já tem uma ideia do que esperar de um Riesling da Alsácia). Aí já parece menos idiota desembolsar o dinheiro que uma garrafa dessas custa.
ExcluirAbraços,
Alexandre A. Marcussi
Marcussi, dei uma passada pela página do FB da Wals e percebo que cada vez mais há pessoas reclamando - e muito ! - do envase com rolhas da Wals (não é reclamação sobre oxidação nem nada disso). Reclamam que é difícil abrir, pouco prática, afirmam que se trata de um detalhe dispensável e tal. Essa reclamação também surge no brejas de vez em quando. Sei lá, você não acha que esse tipo de envase (ou até o da cera da Colorado Ithaca) pode causar certa estranheza, rejeição ou antipatia em parte das pessoas que se interessam por cervejas artesanais (sob o argumento de que é um ritual chato e esnobe)? Abcs, Eduardo
ResponderExcluirOi, Eduardo!
ExcluirNão acho que essas reclamações tenham algo a ver com um suposto caráter esnobe ou chato desse tipo de envase. No caso da Wäls, as rolhas eram defeituosas e não vedavam direito. Ponto final. Eu também sempre disse que, por mim, a Wäls envasava com tampinha e bola para frente, mas a rolha faz parte da estratégia de marketing deles. Não culpo.
Acho até o contrário. Acho que uma embalagem ou envase diferente faz com que o consumidor comum ache que se trata de um produto "mais especial", no qual, portanto, ele irá pagar mais caro. Isso é claro no caso da Ithaca, e acho que no caso da Wäls vai um pouco por aí (em especial se você considerar, por exemplo, a caixa acolchoada da Wäls Brut). Eu acho dispensável, mas brasileiro é tonto e só dá valor ao que parece mais "chique". E só quem já é aficionado e já conhece o produto que acha que esse é um detalhe desimportante.
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
Alexandre, Parabéns!
ResponderExcluirNos últimos meses observei uma explosão de conteúdos sobre cervejas artesanais.
Instagram, portais, YouTube, etc.
Infelizmente, todos preocupados em disputar quem bebe mais em uma noite ou quem tem maior acesso a rótulos exclusivos. Abarrotado a rede com fotos e opiniões desnecessárias.
Pouquíssimos (escassos) portais possuem a profundida que sua página possui.
Abraco.!
Olá, Vitor!
ExcluirAgradeço o elogio! Por coincidência (ou não, como diria Caetano), a última postagem aqui do blog, sobre o filme The Bling Ring, trata exatamente disso que você comentou...
Abraços,
Alexandre A. Marcussi