Lembro-me de ter lido, há algum tempo, um artigo interessante no blog O Mosto Crítico, a respeito do “preço real” da cerveja.
Para o autor, a relação de custo-benefício de diferentes cervejas artesanais
não podia ser avaliada e comparada a partir do preço unitário da garrafa, mas
teria de ser calculada a partir do preço do litro. Diante da enorme variedade
de envases (as garrafas variam desde 250ml até mais de 1 litro), essa era a
única forma de realmente comparar o preço das cervejas que consumimos.
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Fonte: |
Parece perfeitamente sensato, mas sabemos que existem
fatores que influenciam nessa consideração. Muitas vezes compramos uma cerveja
apenas para degustar, para provar, e não necessariamente estamos interessados
em beber uma grande quantidade. Nessas ocasiões, uma garrafa de 375ml por R$ 35
pode parecer mais vantajosa ao consumidor do que uma garrafa de 750ml por R$ 65,
embora isso contrarie o princípio do preço por litro. Mas há outro fator que
interfere nessa conta e que tem ocupado minha atenção há algum tempo: a maneira
como a concentração de álcool da cerveja influencia esse cálculo.
“Custo-benefício-álcool”
A expressão acima não foi inventada por mim – eu apenas
reproduzo o que ouvi de outro amigo cervejeiro. Ela leva em conta o fato de que
nós bebemos cerveja, em parte, para consumir álcool. Claro que a cerveja tem
propriedades sensoriais vastíssimas, tem sabores, tem aromas, tem texturas.
Claro que a cerveja é uma bebida que agrada ao paladar. Claro que ela oferece
maravilhosas oportunidades de harmonização com alimentos e pode valorizar uma
boa refeição. Mas é difícil negar que um dos motivos que nos leva a beber
cerveja é a sensação do leve entorpecimento alcoólico que ela provoca.
Mais que isso: a quantidade de álcool de uma cerveja é um
fator decisivo para determinar o volume que vamos consumir numa determinada
ocasião. Não se diz que as chamadas “session beers”, cervejas de mais baixo
teor alcoólico, são idealizadas para serem bebidas em grandes quantidades? Isso
apenas reflete o fato, conhecido para qualquer consumidor habitual, de que uma
cerveja muito alcoólica nos faz “pisar no freio” e beber mais devagar, o que,
consequentemente, nos leva a beber menos ao longo do mesmo espaço de tempo em
que beberíamos uma quantidade muito maior de uma cerveja pouco alcoólica. Na
real, se formos calcular a quantidade de álcool ingerida, veremos que 4
garrafinhas de uma witbier equivalem, mais ou menos, a duas garrafinhas de uma
Russian imperial stout. É razoável supor que iremos beber mais ou menos o dobro
de garrafas de uma witbier para nos satisfazermos, em relação a uma imperial
stout.
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Se arrisca a comprar várias caixas da
última
session IPA do mercado para o
churras?
Fonte: |
Nesse sentido, o “custo-benefício-álcool” nada mais é do que
uma expressão do bom-senso do consumidor. Ele é uma medida do quanto vamos
gastar de dinheiro para consumir uma determinada quantidade de álcool, e não
apenas um determinado volume de cerveja. Ele também reflete o fato de que as
cervejas possuem variações muito significativas de teor alcoólico, que podem ir
desde menos de 4% até mais de 12% – observe que o valor maior equivale a 300%
do menor. Não estamos falando de variações negligenciáveis, mas de algo que vai
nos fazer modificar a maneira como bebemos – e, sobretudo, a quantidade de que
precisaremos para nos satisfazer.
A dose mínima
Um dos motivos que me fez pensar nisso é o hábito, que tenho
tentado manter, de consumir álcool de forma constante e moderada, a fim de
aproveitar os benefícios que ele pode trazer à saúde. Há muita controvérsia
científica e médica a respeito, mas diversos estudos mostram que o consumo
moderado de bebidas alcoólicas pode trazer benefícios à saúde. O álcool auxilia
na manutenção do índice do chamado “bom colesterol” e está associada a uma
diminuição nos riscos de doenças cardiovasculares. Além disso, a composição
específica da cerveja pode trazer benefícios que se estendem ao aumento das
vitaminas do complexo B e de minerais de difícil absorção (como o silício) e à
prevenção da diabetes. A bebida alcoólica em questão não precisa
necessariamente ser a cerveja. Há toda uma tradição de estudos que associam
também o vinho a benefícios de saúde, sobretudo pela propriedade antioxidante
da substância conhecida como resveratrol.
Contudo, o consumo deve ser moderado. O que significa isso?
A quantidade indicada é influenciada por diversos fatores, incluindo tendências
genéticas, estilos de vida e hábitos alimentares – mas, de forma geral,
considera-se benéfico o consumo de uma quantidade diária de cerveja equivalente
a uma long neck (para mulheres, já que a quantidade aumenta um pouco para
homens). No caso do vinho, diferentes fontes indicam uma quantidade que varia
entre 125 ml e a genérica medida de “duas taças” (o que, como sabemos, varia de
acordo com o tamanho da taça que você está usando, podendo ir desde 200 até 400
ml).
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A recompensa por um dia de trabalho
honesto!
Fonte: |
Vou tentar estabelecer uma média grosseira para compor
aquilo que vou chamar de “dose mínima”, que equivale mais ou menos à dose
diária recomendada para uma mulher. A quantidade de álcool contida nessa “dose
mínima” gira em torno dos 20 ml de álcool. Isso dá um pouco mais que uma
latinha de uma cerveja de 5% de álcool, e mais ou menos a quantidade contida em
uma taça de 150 ml de um vinho de teor alcoólico médio-alto (13,5%). Essa será
a nossa quantidade-padrão que vou usar para calcular o “custo-benefício-álcool”.
Quanto custa?
Quando comecei a consumir a quantidade recomendada pelos
médicos de bebidas alcoólicas, imediatamente me assustei com o impacto que esse
hábito poderia ter no meu orçamento, que poderia facilmente ultrapassar os R$
200 por mês. Como sou apreciador tanto de cerveja como de vinhos, imediatamente
me fiz a seguinte pergunta: fica mais barato beber vinho ou cerveja?
A resposta imediata a essa pergunta nos leva a optar quase
sem pensar pela cerveja. Estamos acostumados a pensar na cerveja como uma
bebida popular e barata, em comparação com o vinho, mais elitizado e caro.
Afinal de contas, mesmo que bebamos cervejas artesanais, é fácil encontrar
cervejas com preço entre R$ 10 e R$ 15, mas é difícil encontrar vinho por menos
de R$ 20-25. Mas, pondo na ponta do lápis, comecei a ver que não era bem assim.
E isso tem tudo a ver com toda essa coisa da “dose mínima”.
Uma long neck de cerveja equivale mais ou menos à “dose
mínima”. Contudo, uma garrafa de vinho pode render 4 ou até 5 “doses mínimas”.
E de fato o vinho oferece a possibilidade de guardarmos uma garrafa já aberta
(tomando os devidos cuidados e precauções), se quisermos dividir as doses entre vários dias. Assim, uma garrafa de vinho de R$
25 rende por 4 ou 5 dias, enquanto uma garrafa de cerveja aberta deve ser
consumida imediatamente.
Mais que isso: ao ver o preço das cervejas numa gôndola de
supermercado ou num cardápio de bar, comecei a me perguntar quanto eu iria
gastar para beber, digamos, três ou quatro “doses mínimas” – que é uma
quantidade que eu posso tranquilamente consumir numa sessão de bar animada no
final de semana. Quanto isso me custaria se eu optasse pela Colorado Índica? E
pela Evil Twin Low Life? E pela Chimay Bleue? E por aí vamos.
Montei a tabela abaixo para ajudar nesse cálculo. Ela indica
o preço que custa, para cada rótulo, uma “dose mínima” (e indica o teor
alcóolico de cada cerveja). Note que, em muitos casos, isso é menos do que uma
garrafinha, de modo que você não pode comprar apenas essa quantidade. Mas é um
valor de referência útil para multiplicar e calcular o consumo de uma noite.
Escolhi propositadamente alguns rótulos que surgem na discussão quando o
assunto é “custo-benefício”, e outros que surpreendem quando calculamos dessa
forma. Considerei o menor preço a que já consegui encontrar cada cerveja aqui
em São Paulo ou em lojas online, o que significa que algumas foram calculadas
em cima do preço de supermercado, enquanto outras o foram em cima do preço de
empórios e e-commerce (que é mais alto).
Cerveja
|
ABV
|
“Dose mínima”
|
Heineken Lager Beer
|
5.0%
|
R$ 2,93
|
Eisenbahn Weizenbock
|
8.0%
|
R$ 4,22
|
Colorado Índica
|
7.0%
|
R$ 5,71
|
Eisenbahn 5 Anos
|
5.4%
|
R$ 6,50
|
Colorado Vixnu
|
9.5%
|
R$ 7,36
|
Invicta Imperial Stout
|
9.0%
|
R$ 8,89
|
Wäls Petroleum
|
12.0%
|
R$ 8,89
|
Bamberg Helles
|
5.2%
|
R$ 9,61
|
Brooklyn Lager
|
5,2%
|
R$ 9,75
|
Way Beer American Pale Ale
|
5.2%
|
R$ 9,93
|
Duvel
|
8.5%
|
R$ 10,70
|
Chimay Bleue
|
9.0%
|
R$ 12,12
|
Wäls, Session! Citra IPA
|
3.9%
|
R$ 14,53
|
Brewdog Punk IPA
|
6.0%
|
R$ 16,90
|
Tupiniquim/Evil Twin Lost in
Translation
|
6.5%
|
R$ 17,87
|
Boon Geuze Mariage Parfait
|
8.0%
|
R$ 20,00
|
Mikkeller k:rlek
|
5,5%
|
R$ 25,60
|
Deus Brut des Flandres
|
11,5%
|
R$ 31,30
|
Harviestoun Ola Dubh 18
|
8,0%
|
R$ 37,88
|
Para quem tiver curiosidade, a fórmula para se chegar a esse
preço é a seguinte:
Preço da dose mínima = 20
x preço unitário
Volume
da garrafa x teor alcoólico
A constante “20” foi escolhida por equivaler à dose mínima
de álcool que determinamos anteriormente, em ml. Se você quiser calcular uma
quantidade diferente de álcool, é só substituir o “20” pelo número de
mililitros de álcool que você quer calcular. O preço unitário é o preço pago
pela garrafa. O volume da garrafa foi calculado em ml. Para o teor alcoólico,
não se esqueça de que ele é calculado em porcentagem – portanto, se uma cerveja
tem 5,2% ABV, o número a ser usado na fórmula será 0,052.
Alguns valores da tabela são previsíveis, outros
surpreendem. A Heineken foi colocada como “cerveja de referência” por ser a cerveja
comercial de preferência de boa parte dos apreciadores de artesanais (embora
não seja a minha). O melhor custo-benefício do mercado artesanal, se
considerarmos a quantidade de álcool, fica com a minha querida Eisenbahn
Weizenbock, cuja dose mínima custa R$ 4,22, apenas R$ 1,29 acima da Heineken.
Estamos acostumados a pensar que as Eisenbahns são todas igualmente baratas,
mas quando o quesito ABV entra em cena, vemos que não é bem assim: a Eisenbahn
5 Anos, de 5,4% ABV, já possui preço de R$ 6,50 pela dose mínima. Mais caro que
uma Colorado Índica.
Cervejas fortes normalmente tidas como caras, como a Wäls
Petroleum, mostram-se mais baratas neste cálculo do que outros rótulos
normalmente apontados como possuindo bom custo-benefício, como Bamberg Helles,
Brooklyn Lager ou Way APA. E belgas fortes como Duvel ou Chimay mostram-se
decididamente mais baratas do que a média das IPAs importadas (representadas
aqui pela Brewdog Punk IPA), e apenas marginalmente mais caras do que várias
cervejas tidas como rótulos de bom preço. Uma cerveja como a Tupiniquim/Evil
Twin Lost in Translation representa uma tendência do mercado nacional de cobrar
caro por garrafas pequenas, e acaba saindo mais cara do que as importadas. A
Deus, que leva fama de ser ostensivamente cara, mostrou-se mais barata do que
as barrel-aged importadas que têm chegado ao mercado (representadas pela Ola
Dubh 18).
Vinho ou cerveja
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Fonte: |
Volto a uma questão levantada mais acima. Quando comecei a
beber a “dose mínima” diariamente, vi que o papo de que beber cerveja é mais
barato do que beber vinho é balela, em vários sentidos. Um público de cervejas
artesanais está acostumado a achar barato pagar em torno de R$ 6 pela “dose
mínima”, o que representa o valor de uma Eisenbahn ou Colorado Índica, e aceita
tranquilamente pagar entre R$ 15 e R$ 20 pela dose mínima de cervejas
importadas ou artesanais nacionais de pequeno porte.
Ora, se colocamos na roda um vinho de preço baixo, mas
honesto, em torno dos R$ 25, vemos que sua dose diária mínima gira em torno de R$
4,94. Só a Eisenbahn Weizenbock é mais barata do que isso. Mas vou ainda mais
longe. Você acha que um vinho de R$ 50 é caro? Saiba que a dose mínima desse
vinho custa em torno de R$ 9,88, na mesma faixa de uma Brooklyn ou Way. E um
vinho de R$100? Esse é um preço que decididamente assusta se você não é um
enófilo. Sua dose mínima fica em torno de R$ 19,75 – apenas R$ 3 a mais do que
uma Brewdog Punk IPA, e menos do que se paga por muitas Mikkeller.
E aí, assustou? :-)