Quem acompanha este blog provavelmente já sabe da minha
profunda admiração pela microcervejaria mineira Wäls, sobre a qual já escrevi
aqui e que, para mim, sempre figurou entre as 3 melhores cervejarias nacionais
pelo conjunto da obra. A cervejaria iniciou suas atividades em um distante
1999, mas despontou no cenário nacional em 2007, com o lançamento de sua hoje
premiadíssima Dubbel. O último ano trouxe uma série de novidades e eventos
marcantes para a Wäls – no bom e também no mau sentido, infelizmente – e, acima
de tudo, um montão de novas cervejas sobre as quais quero falar nesta postagem
e na próxima.
Altos e baixos
Pelo menos este caneco é nosso...
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Em abril de 2014, a Wäls realizou um feito inédito para as
cervejarias brasileiras: conquistar o maior prêmio do concorridíssimo World Beer Cup, concurso realizado
anualmente nos EUA e que talvez tenha peso maior do que qualquer outro certame
realizado no mundo. Aliás, dois prêmios de uma só vez: uma medalha de ouro para
a Wäls Dubbel na categoria “Belgian-style Dubbel” e uma medalha de prata para a
Wäls Quadruppel, na categoria “Belgian-style Ale”. Difícil saber qual medalha é
mais significativa. Claro que o ouro é a consagração máxima, mas a prata da
Quadruppel foi obtida numa categoria mais difícil, concorrendo com uma ampla
gama de cervejas de inspiração belga sem estilo definido. A honra de ser uma
cervejaria brasileira premiada nesse concurso é dividida apenas com a
Eisenbahn, que conquistara uma prata em 2008 com sua Dunkel. A premiação veio
em ótima hora, já que a Wäls começou a exportar para os EUA e planeja produzir
em território americano em breve.
No mesmo ano em que a Wäls atingiu seu máximo
reconhecimento, porém, também teve aquele que talvez tenha sido o mais duro
golpe em sua imagem no mercado nacional. Desde 2009, quando do lançamento da
Quadruppel, a Wäls comercializa algumas cervejas de sua linha em garrafas de
vidro verde com rolha. A princípio, as rolhas eram de cortiça natural – e, devo
dizer, eram dificílimas de se remover. Depois, a cervejaria trocou a cortiça
por rolhas de um material sintético. E a perda do charme da cortiça não foi a
única consequência. Cerca de um ano atrás, o fornecedor das rolhas mudou a
composição do material, e o pesadelo começou. As garrafas arrolhadas começaram
a exibir repetidamente sintomas de oxidação, perda de carbonatação e contaminação
bacteriana. Aparentemente, o novo material tinha problemas de vedação. As
reclamações começaram a chover, e comprar cervejas arrolhadas da Wäls tornou-se
quase uma loteria. Eu mesmo cheguei a tomar pelo menos uma garrafa totalmente
comprometida. O blog O Mosto Crítico escreveu uma matéria sobre isso que conta
todos os detalhes. A cervejaria veio a público explicando o problema e dizendo
que o material das rolhas já havia sido trocado por um outro, que não exibe o
mesmo problema. Todas as garrafas envasadas a partir de março de 2014 já saíram
de fábrica com o material novo. Mas as garrafas “de loteria” ainda estão por
aí, nos pontos de venda, esperando para surpreender consumidores incautos.
Os últimos 12 meses, porém, não foram só marcados por
conquistas e polêmicas envolvendo a cervejaria. Desde agosto de 2013, a Wäls
tem lançado uma enxurrada de novas cervejas, e é sobre elas que eu quero falar
aqui. Desde o lançamento da Dubbel em 2007, a Wäls vinha se especializando em
estilos belgas. Mas, como não é novidade para ninguém, 2013 foi o ano da escola
americana e das IPAs no Brasil. E a Wäls entrou na tendência, lançando um monte
de novas receitas, a maior parte das quais inspirada em estilos yankees. Tentei
provar todas, mas, sinceramente, o ritmo de lançamentos foi tão intenso que
tive de deixar de fora uma: a Wäls Have a Nice Saison, saison de natal feita
com exclusividade para o clube de cervejas Have a Nice Beer. Mas não vai faltar
cerveja para abordarmos!
Leves e refrescantes
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Curiosamente, os novos lançamentos da Wäls podem ser
divididos em cervejas leves e refrescantes, por um lado, e cervejas pesadas e
intensas, por outro. 8 ou 80. Comecemos pelas primeiras. A Wäls Stadt Jever homenageia o bar homônimo, localizado em Belo
Horizonte e de propriedade da família Carneiro, a mesma que comanda a Wäls. A
receita é uma lager sutilmente tostada, à semelhança de uma Vienna lager, com
dry hopping de uma variedade de lúpulo alemã chamada “Mandarina bavaria”. Traz
coloração dourada bem escura, quase alaranjada, e bom creme. No aroma,
predominam as sensações trazidas pelo lúpulo Mandarina, com sensação floral/herbal
tipicamente alemã (lembrando gerânios, lavanda, mentol e alecrim) acompanhada
de notas cítricas (laranja e limão) e um aroma marcante de petróleo. Pão
integral e castanha de caju denunciam a leve tosta do malte, e um toque de
fermento ressalta a impressão de panificação. Há um breve ataque de doçura na
boca, mas predomina um amargor preciso e refrescante, que termina num final
oleoso e levemente salgado, muito apetitoso. O corpo é leve para mediano, com
alguma cremosidade. Ótima cerveja para se beber às talagadas, de preferência
embalada por uma boa conversa em mesa de bar e uma carne grelhada sequinha.
(Clique aqui para ver a avaliação completa)
Verdade seja dita: o blog
Calmantes com
Champagne 2.0 manda muito bem
nas fotos de cervejas.
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A Wäls Verano é
uma American pale ale com um interessante toque maltado lembrando a escola
alemã. No copo, apresenta cor âmbar escura, levemente acobreada, com levíssima
turbidez. Há um dueto afinado entre o malte e o lúpulo, numa receita que prima
pelo equilíbrio entre os ingredientes. O malte traz uma riqueza e profundidade
de sabores atípicos para o estilo, lembrando até uma pilsner tcheca com seus
tons de panificação, massa fresca e mel. O lúpulo traz uma primeira investida
cítrica e herbal, bem americana, com mousse de maracujá, capim fresco e
laranja, mas depois vai abrindo um aroma mais floral, com rosas, camomila e
tons apimentados que reforça ainda mais a semelhança com uma Bohemia pilsner. A
cervejaria divulga apenas o lúpulo Columbus, mas eu tive uma impressão muito
forte da variedade tcheca Saaz. Doçura e amargor se alternam na boca e conduzem
a um final em que ambos se dão as mãos em equilíbrio. O corpo é leve, aguado e
refrescante, com aquela sensação de limpeza de paladar advinda da baixa
mineralização da água, lembrando mais o final de uma lager do que de uma pale
ale. Cerveja equilibrada e de bom drinkability, com curiosa mistura de
elementos da escola americana e alemã mas sem grande destaque. (Clique aqui
para ver a avaliação completa)
Devidamente harmonizada
com um hambúrguer da casa.
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A Wäls Duke’n’Duke Jazzy Pale Ale foi feita para a hamburgueria Duke’n’Duke, em Belo Horizonte
(que, aliás, vale muito a visita pelo ambiente, pela trilha sonora jazzística e
pelas batatas fritas matadoras). Confesso que não entendi o estilo. A cerveja
se autointitula “pale ale”, mas é uma lager. Refere-se ao estilo inglês, mas é
mais clara que uma English pale ale tem lúpulos com forte acento
“novo-mundista”. Que seja. No copo, mostra um dourado bem escura, já pendendo
ao âmbar. No aroma, o predomínio é dos lúpulos, de perfil bem cítrico e herbal,
lembrando um pouco a deliciosa variedade Sorachi Ace. Lichia, lima-da-pérsia,
capim-limão, pinho e gerânios convivem com toques de pimenta e laranja, em
ótima complexidade. O malte traz pão branco e mel. Ela entra amarga na boca,
segue-se uma doçura maltada ao engolir e, ao final, persiste novamente um
amargor oleoso que, no entanto, é um pouco inexpressivo. O corpo é leve para
mediano, mais seco que uma English pale ale, com textura pouco marcante.
Acredito que, se o intuito era harmonizar com os hambúrgueres da Duke’n’Duke,
um perfil de malte levemente mais tostado, mais na linha inglesa, teria caído
bem. (Clique aqui para ver a avaliação completa)
Uma session
convincente
A mais recente das cervejas leves e refrescantes da Wäls
segue a tendência atual das chamadas “session beers”, receitas de teor
alcoólico mais baixo, pensadas para serem bebidas em grande quantidade. Você
pode perfeitamente chamar estilos tradicionalmente mais leves de session beers,
mas o termo tem sido usado recentemente para versões de baixo teor alcoólico de
outros estilos normalmente mais intensos. Tenho minhas reservas em relação ao
conceito, como ele tem sido posto em prática pelas micros nacionais. Para que
uma session beer cumprisse adequadamente seu papel, que é o de ser bebida em
quantidade, ela precisaria ter preço mais baixo, mas não é isso que tem
ocorrido com as session artesanais brasileiras. Aí fica difícil.
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Mas, à parte essa minha reserva de degustador de renda
restrita, do ponto de vista meramente sensorial, a Wäls, Session! Citra IPA é um espetáculo. A receita coroou com
perfeição os intuitos da Wäls de lançar uma cerveja leve e de alta drinkability
dentro da escola norte-americana. A impressão que dá é que as receitas
anteriores haviam sido como “testes” para esta - que foi bem mais divulgada, diga-se de passagem. A cervejaria usa apenas o lúpulo
Citra, visivelmente mais em dry-hopping do que na fervura, resultando em
amargor gentil e aroma profuso e vívido. Muitas frutas cítricas, com notas de
maracujá, limão e uma lichia perfumada com nuances petroquímicas (que lembra
vinhos brancos feitos com a deliciosa uva Gewürtztraminer), e também muito
herbal, com capim fresco, cidreira e pinheiro, além de um toque de lavanda. O
malte, sugerindo pão branco, ainda se faz sentir.
Mas é na boca que vem a verdadeira surpresa: o corpo é muito
leve, crocante, aguado num bom sentido, com um final de boca extremamente limpo
e leve. Há uma refrescante acidez cítrica inicial, mas depois predomina um
amargor gentil que persiste elegantemente na boca, e não na garganta, como é
mais comum ocorrer com IPAs. O toque de mestre da receita (além da extração
virtuosa de tanta complexidade do lúpulo Citra) foi a baixa mineralização da
água, que deixou a Session! Citra IPA
com uma sensação leve como pluma na boca, com final levíssima que convida a
beber em talagadas. Acredito que a Wäls realmente conseguiu imprimir um
diferencial “session” nesta receita, diferentemente do que acontece com outras
session beers que simplesmente têm teor alcoólico mais baixo, mas não trazem
nada que chame atenção na boca. Para mim, um dos melhores lançamentos nacionais
de 2014 até agora – e olha que eu nem sou muito chegado nessas novas “session
beers”! (Clique aqui para ver a avaliação completa)
Na próxima postagem, falaremos sobre os novos lançamentos
pesos-pesados da Wäls, incluindo a receita de maior teor alcoólico da
cervejaria até o momento! Também falaremos sobre as surpresas que tive em minha
última visita à fábrica. Não perca!
Bom post, parabéns.A citra session eh mto boa msm, se fosse mais barata seria a session! Aguardo a proxima quinzena pra ver suas impressões sobre a sadt jever rock & gol!
ResponderExcluirGugão, não bebi a Stadt Jever Rock & Gol. Mas, a julgar pela descrição dela no site, é a mesma receita da Wäls Stadt Jever que eu comentei neste post. Na próxima quinzena, só cerveja acima de 8% de álcool!
ExcluirAbraços,
Alexandre A. Marcussi
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirA Stadt Jever Rock'n'Roll é uma American Amber Lager, estou bebendo nesse momento e gostando. Tomei a Session logo quando saiu e também gostei muito, mas o preço não ajuda (como qualquer coisa que leve lúpulo americano por aqui).
ResponderExcluirTenho a impressão de que a Wals resolveu começar a experimentar mais, e dessa vez mais na tendência do mercado, que é a escola americana. Porém, eu por enquanto não boto fé de que essas cervejas vão continuar na linha regular dela.
De qualquer forma, creio que sempre vale a visita lá no Tap Room deles em BH. Quando eu visitar a cidade, quero conhecer.
Sobre a questão dos eventos de contaminação recentes, vale ressaltar a falta de maior comprometimento com os pontos de venda e clientes. Até onde eu ouvi de revendedores, a postura deles (seja da cervejaria em si ou dos distribuidores) sempre foi de um certo descaso, como se o problema do que está dentro da garrafa não fosse responsabilidade puramente deles. Creio que, mais do que os problemas do produto em si, a atitude posterior em face disso é que vem a depor mais negativamente contra eles, como empresa, que deveriam se preocupar em manter uma relação mais fiel e transparente com o público.
Olá, Edson!
ExcluirAcho estranho categorizar a Stadt Jever como American amber lager sabendo que o lúpulo é alemão, mas vai um pouco nessa linha, mesmo. Eu prefiro entendê-la como uma Vienna lager na linha da Brooklyn Lager.
Acho que os lançamentos de 2013 e 2014 realmente seguem a tendência de mercado da escola americana, mas a Wäls se preocupou em manter uma certa coerência com sua linha alemã e belga, sobretudo pela presença do malte, o que resultou em misturas interessantes.
Quanto às contaminações, é bem complicado. Até entendo a impossibilidade prática de recolher do mercado 10 meses de produção (o que o Fernando Pacheco, do Mosto Crítico, sugeriu que fosse feito), mas deixar o abacaxi na mão do consumidor também não fez bem à marca. Conheço algumas pessoas que ficaram desconfiadas o bastante para não querer mais provar nada de novo da marca por um bom tempo.
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
Só pra esclarecer, estava me referindo à outra Stadt Jever, a Rock&Gol (não Rock'n'Roll como eu disse anteriormente). Essa é outra receita e o estilo é declarado no rótulo. O lúpulo é americano no aroma, inclusive, então fica bem dentro do estilo.
ResponderExcluirAh, agora entendi! Não conheço a Stadt Jever Rock&Gol, como mencionei ao Gugão, mas vou procurar por aí! Valeu pela indicação!
ExcluirAbraços,
Alexandre A. Marcussi