sábado, 15 de março de 2014

As cervejas mais interessantes de 2013

Na última postagem, comentei algumas questões gerais a respeito do mercado cervejeiro de 2013. Agora, quero falar sobre rótulos específicos que me impressionaram no ano passado, seja pelo seu nível de excelência e complexidade, seja pelo seu custo-benefício, seja pelo que representaram ao longo desse ano que passou. Optei por não incluir aqui rótulos que estejam indisponíveis no mercado brasileiro, por alguns motivos. Em primeiro lugar, porque quero oferecer aos leitores um guia daquilo em que, na minha opinião, vale a pena gastar seu rico dinheirinho num ano marcado por lançamentos caros. Em segundo lugar, porque já tive a oportunidade de comentar aqui no blog, em outros momentos, algumas cervejas extraordinárias que passaram pelo meu copo e que não chegam ao Brasil. Limito os comentários a algumas palavras gerais sobre cada rótulo, mas, se você quiser saber mais detalhes, basta clicar no nome de cada uma para ver a avaliação completa. Então chega de papo furado e vamos aos destaques!

As importadas

Começo falando sobre as cervejas importadas que passamos a ter no mercado no ano passado. Houve muitos lançamentos extremamente caros que eu não tive a oportunidade de provar (foi-se a época em que eu tentava provar um pouco de tudo o que chegava ao Brasil), mas a verdade é que poucos são os que realmente valem o que custam.  Então farei um mix de rótulos caros e extremamente recompensadores, junto com outros de custo-benefício mais favorável.

Fonte: www.cardinal.no
Dentre aqueles que vão onerar seu bolso, a linha de lambics da Cantillon chama a atenção pelo nível de excelência. Um dos maiores destaques é a Cantillon Grand Cru Bruocsella Lambic Bio, lambic pura que maturou durante 3 anos em barris de carvalho. Como ela é engarrafada direto do barril, sem blendar com lambics mais jovens e sem receber nenhuma adição de açúcares, não refermenta na garrafa e, portanto, não desenvolve nenhuma carbonatação, ficando completamente sem gás, como um vinho branco. Sua acidez é mais elegante e contida do que na gueuze, com uma pontada discreta de doçura. No aroma, abundantes camadas de frutas cítricas e maduras (pêssegos, nectarinas, tangerinas, framboesas, limas-da-Pérsia) misturam-se a uma envolvente doçura abaunilhada, com um elegante acento mineral e apimentado. As notas animais e terrosas, típicas do estilo, são um pouco mais suaves do que na gueuze. Os taninos são relativamente leves, deixando-a com um final menos persistente na boca. Esta raridade, de produção e distribuição limitadas, chega ao Brasil custando em torno de R$ 150 pela garrafa grande, de 750 ml.

Fonte: moe-pivo.blogspot.com
Outra cervejaria cara que impressiona pelo grau de qualidade de seus rótulos é a De Molen. Sua impecável linha de cervejas maturadas em madeira mostra a competência virtuosa com a qual a marca trabalha com seus barris. Dentre as que pude provar, o destaque vai para a De Molen Hel & Verdoemenis Misto Bourbon Barrel-Aged. Trata-se de uma versão ligeiramente mais alcoólica da imperial stout Hel & Verdoemenis (que já é incrível em sua versão básica), maturada em barris de carvalho usados para produção dos bourbons Wild Turkey e Austin Nichols e depois blendada à perfeição. Parece um pavê de chocolate engarrafado, daqueles feitos por aquela sua avó manguaceira, com biscoitos umedecidos com vinho do Porto. Biscoito, caramelo e sorvete de chocolate se misturam deliciosamente a uma baunilha limpa, potente e suculenta trazida pelos barris, sem detrimento das frutas passas e dos toques licorosos lembrando Porto. Tons torrados (café e queimado) aparecem sem roubar a cena. A doçura predomina (como numa sobremesa), mas com amargor correto que a impede de ser enjoativa. Excelente sensação licorosa e sedosa na boca. Cerveja dessas irritantemente impecáveis, nas quais você não consegue botar defeito nem que tente. Ah, sim, tem um defeito: custa R$ 85 no Brasil (contra meros 5 euros lá fora). Ops.

Passemos a rótulos para os quais não será necessário fazer poupança ou dilapidar seu holerite. Apesar de ter sido um ano cheio de cervejas caras, houve alguns destaques naquela faixa mais confortável (não disse “barata”, entenda) em torno de R$ 20-25. O primeiro é um exemplar paradigmático do jeito americano de se fazer Russian imperial stouts, mais rústico, seco e lupulado que os ingleses. Trata-se da North Coast Old Rasputin Russian Imperial Stout, que nos chega na faixa dos R$ 20 pela garrafa pequena. Cerveja de força e pegada, com os tons torrados e queimados (café, cinzas, cacau torrado) predominando sobre os mais macios (caramelo, castanha, amadeirado). Mentolado, frutas vermelhas e um quê cítrico da lupulagem expressiva lhe adicionam frescor e complexidade. O final é amargo e seco, com sensação aveludada sem ser pesada em excesso. Boa compra para a adega.

Fonte: www.cask.com.br
Outra linda americana que chegou em 2013 – e que não recebeu a atenção que merece – foi a Ballast Point Big Eye IPA. Este rótulo acabou ficando ofuscado pela sua mais popular irmã, a Sculpin IPA, mas eu a achei uma IPA americana mais equilibrada e agradável, sem os extremismos da Sculpin. Como manda a tradição da costa oeste, não exibe sensação caramelada, mas ainda tem uma certa doçura de malte que a equilibra de forma elegante, escoltando um amargor intenso, limpo e refrescante, que não agride a garganta. No aroma, uma profusão de tons cítricos (casca de laranja, cidra), frutados (framboesa e mamão), herbais (verbena deliciosamente perfumada) e leves florais, que se casam com a doçura de geleia do malte para sugerir suculentas compotas de frutas. Corpo mediano, levemente melado, menos seco que a Sculpin’, mas ainda sem enjoar. Ótima representante do estilo, que se encontra por aí na faixa dos R$ 20 pela long neck.

Fonte: http://www.flickr.com/photos/47365105@N06/
Por fim, uma cerveja que virou minha cabeça: a Mikkeller/Grassroots Wheat is the New Hops. Para quem não sabe, “Grassroots” é a linha colaborativa de uma das mais prestigiadas cervejarias norte-americanas do momento, a Hill Farmstead (que acaba de ser considerada a segunda melhor cervejaria do mundo na votação do Rate Beer de 2013). Trata-se de uma American IPA que fermenta apenas com leveduras do gênero Brettanomyces. Como não recebe bactérias láticas, ela não é ácida, mas tem alguma coisa daquele aroma deliciosamente fresco e rústico das lambics. As Brettamomyces juntam-se aos lúpulos para criar novos e sofisticados horizontes de frescor frutado, cítrico e herbal (uvas verdes, peras brancas, maracujá, terroso, capim-limão, lima-da-Pérsia, leve pimenta). Há um levíssimo acento animal de fundo, bem como um breve toque acético que depois dá lugar a um amargor seco e terroso que se prolonga no final. No nariz lembra um vinho branco mais seco (pense em Sauvignon Blanc, por exemplo), mas na boca o amargor faz as vezes da acidez. Sabemos que as microcervejarias europeias da “nova geração” costumam ser caras, e este rótulo chega ao Brasil na faixa dos R$ 25 pela long neck.

As nacionais

Como já comentei, o ano foi um pouco mais morno no cenário nacional, com poucos lançamentos que realmente tenham se destacado pela sua qualidade. Boa parte das novas cervejas brazucas de 2013 se compõe de imitações de segunda categoria (desculpa, é verdade) de estilos norte-americanos da moda, sobretudo IPAs. E nem sempre com bons preços em relação às importadas dos mesmos estilos.

A Bamberg mantém uma atitude relativamente discreta, “low-profile” no cenário nacional, mas foi responsável por alguns dos lançamentos mais interessantes de 2013. Num momento em que todas as cervejarias estão correndo atrás dos estilos norte-americanos, a Bamberg não teve medo de ser fiel às suas origens germânicas e está lançando muitas receitas inovadoras e instigantes criadas a partir de estilos alemães. No início do ano passado, a Bamberg trocou todo o seu equipamento por um que lhe permite empregar uma técnica usada nas cervejarias alemãs mais tradicionais, a decocção do mosto. O resultado são cervejas com perfil mais rico e saboroso de malte. O grande destaque do ano, para mim, foi a edição de 2013 da sazonal Bamberg Caos. O estilo, pouco usual, é denominado às vezes de “doppelsticke”, e consiste em uma versão mais intensa e alcoólica de uma altbier. Na versão da Bamberg, o aroma exala notas frutadas e lácteas, lembrando vivamente iogurte de morango (com cerejas e passas ao fundo), enquanto o malte traz bastante caramelo, castanhas e um quê de café-com-leite. Ela entra bem doce e suculenta na boca, porém, o final traz um amargor intenso para equilibrar. Cremosa e aveludada na boca, não revela seus 8% de álcool. Tem bom potencial de guarda. A long neck se situa na amigável faixa dos R$ 12 e sai todo ano em abril. Não perca.

Um lançamento que fez bem mais barulho no cenário nacional foi a Bodebrown/Stone Cacau IPA, feita em parceria com Greg Koch, mestre-cervejeiro da Stone que visitou o Brasil no início do ano passado. Trata-se de uma IPA de estilo americano virtuosamente bem-executada, com uma discreta adição de lascas (nibs) de cacau. Enquanto 95% das IPAs brasileiras perdem o frescor aromático depois de alguns poucos goles e te deixam com um copo cheio de chá de capim, a Cacau IPA consegue se manter perfumada e fresca até o fim. Ela começa bem cítrica, com uma sensação meio amanteigada (lembra manteiga de cacau mesmo) de mousse de maracujá, depois revela perfumes herbais frescos em boa intensidade (cidreira, capim-limão, pinheiro, mentol) e, por fim, desenvolve um aroma frutado lembrando pêssego. O caramelado do malte está lá o tempo e, com o tempo, aparece uma nuancezinha lembrando chocolate ao leite. O cacau é suave no conjunto, o que a faz parecer mais uma boa IPA (o que não é pouco) do que uma cerveja com cacau. Ela começa doce e caramelada, levando a um final amargo, não seco, mas sim oleoso. Seu preço aqui em São Paulo assusta e não incentiva o repeteco, mas pelo menos permite a prova: R$ 23 pela garrafa “caçulinha” (300 ml).

Meu terceiro destaque nacional vai para uma cerveja intensa, marcante e de bom custo-benefício, pelo menos aqui em SP: a Invicta Imperial Stout. Ao contrário da Old Rasputin, que comentamos acima, a Russian imperial stout da Invicta é pesada, doce e indulgente como um bolo de chocolate bem cremoso. Muito chocolate daqueles “do padre”, caramelo, biscoitos doces e um tiquinho de café de coador, ao lado de um frutado bem expressivo e sofisticado, lembrando cerejas ao marrasquino e figo verde em calda. Grossa, viscosa e oleosa na boca, com um paladar bem doce que é equilibrado por um amargor assertivo aparecendo no retrogosto e um aquecimento alcoólico inclemente. Para fechar uma noite de gulodices por um preço amigável, na faixa dos R$ 20 pela garrafa de 500 ml. Faz um bom contraste e rende uma bela degustação comparada com outra imperial stout brasileira lançada em 2013, bem mais seca, amarga e rústica: a paranaense Dum Petroleum. Ambas prometem bom futuro na adega.

Sabemos que o Brasil ainda é carente em lançamentos de cervejas maturadas em barris (que estão entre meus estilos favoritos, não é segredo). Ainda existe um vácuo legislativo a esse respeito, que torna a regularização mais incerta. No início de 2013, a cervejaria Wensky lançou a Wensky Drewna Piwa, uma old ale robusta, de 9.5% de álcool, que resultava de um blend em que metade maturou por 4 meses em barris de carvalho americano virgem, enquanto a outra metade maturou em chips de carvalho francês. Old ale comme il faut. É sinal benfazejo ver uma cervejaria procurando o melhor balanço entre madeiras de diferentes origens, como as boas vinícolas já sabem fazer há muito tempo. O uso competente da madeira acentua a suculência e a maciez dos maltes doces, resultando em uma avalanche de doce de leite, toffee, caramelo, castanhas e chocolate. Frutas passas e laranja a complementam com alguma licorosidade que lembra vermute. Além do aroma de madeira propriamente dita, a baunilha do carvalho americano funde-se harmoniosamente às percepções de noz moscada, mineral e mentolado, mais típicas do carvalho francês. A versão blendada ainda não tinha registro comercial. Em meados de 2013, a Wensky Drewna Piwa voltou ao mercado com novo rótulo e já com registro, mas com novo processo de produção, que usava apenas chips de carvalho francês, em vez dos barris propriamente ditos. Ainda não provei a nova versão, espero que mantenha o nível de excelência da anterior. A garrafa de 500ml sai na faixa dos R$ 26, o que não é abusivo considerando-se o estilo. Sou feliz proprietário de mais duas garrafas do primeiro lote, que estão evoluindo na minha adega.


Taí. Nove lançamentos de 2013, para todos os gostos e bolsos. Todos ótimas compras, independentemente do preço. Concorda, discorda, gostaria de adicionar alguma outra sugestão? Use o espaço dos comentários abaixo!

sábado, 1 de março de 2014

Balanço cervejeiro de 2013

“Cheguei, galera!”
Fonte: estudos.gospelmais.com.br (juro!)
Sim, estou atrasado. Mas esta vida exige prioridades claras – e a minha era terminar nossa viagem pelo mundo das cervejas selvagens, o que fizemos na última quinzena. Feito isso, volto no tempo para fazer um balanço do ano cervejeiro de 2013. Não vou falar – ainda – sobre cervejas particulares. Quero primeiro comentar alguns destaques gerais do mercado e algumas expectativas para 2014. Na quinzena que vem, elejo algumas das cervejas que mais gostei de descobrir no ano que passou.

As importadas

O mercado cervejeiro está aquecidíssimo, e isso não é segredo para ninguém. Especialmente no que tange às importações, cuja burocracia é um pouco mais fácil de resolver do que para o lançamento de novas cervejas e marcas nacionais. 2012 já havia sido um ano de importações dignas de nota (basta pensar em cervejarias como a norte-americana Founders, a belga De Struise ou a holandesa De Molen), sobretudo no que diz respeito ao aporte de rótulos de produção elaborada e preços nas alturas, como as cervejas envelhecidas em barris. Mas 2012 também havia sido um ano em que a concorrência apertou as margens de lucro e fez caírem os preços de outros rótulos clássicos, sobretudo belgas. Na época, desenhou-se uma bipartição das importações entre rótulos consolidados, com preço tendente à queda, e rótulos de luxo com preço em ascensão. Em 2013, contudo, só essa segunda tendência de elevação de preços e de nível de elaboração dos rótulos parece ter se acentuado. Tivemos a chegada de várias cervejarias conceituadas lá fora, como Evil Twin, De Dolle, Cantillon, 3 Fonteinen, To Ol, e a ampliação da oferta de produtos de luxo de outras cervejarias que já davam as caras por aqui, como Mikkeller, De Struise ou De Molen.

Por um lado, hoje podemos dizer que o mercado brasileiro está bem abastecido de cervejas de patamar superior, “world-class”, que são consideradas referências em estilos prestigiados e difíceis de se produzir com competência, como é o caso das cervejas maturadas em barris ou lambics. Por outro lado, a escalada de preços assusta: as últimas levas de importadas ultrapassaram com frequência a cifra de R$ 100, muitas vezes por garrafinhas pequenas. Calculo que o número de rótulos nesse patamar de preços deve ter triplicado, talvez quintuplicado, em 2013. Assim como já ocorre há anos no muito mais maduro mercado de vinhos, é possível que tenhamos começado a ver a consolidação de um modelo baseado em “faixas de preço” (mas mais complexo do que nos vinhos, devido à interferência de variáveis como o volume das garrafas), o que inevitavelmente leva o mercado consumidor a se dividir em fatias de renda. Não é mais verdade que qualquer apreciador de cerveja artesanal pode provar os principais lançamentos do ano.

Ou você acha que alguém 
realmente comprou isso tudo?
Fonte: www.bebendobem.com.br
O que me preocupa é pensar até que ponto essas cervejas de luxo estão realmente vendendo. Vejo comentários sobre elas em blogs que recebem garrafas de graça para fazer publicidade, ou de pessoas convidadas para degustações comerciais e outras “boquinhas”, mas não vejo muita gente realmente comprando essas cervejas. É o mesmo vício que existe no mercado brasileiro de vinhos: os vinhos top fazem muito barulho nos blogs devido às práticas de bonificação, mas vendem muito pouco. Cerca de 80% do volume de vinhos vendido hoje pelo maior varejista do Brasil (o Pão de Açúcar) corresponde a vinhos abaixo dos R$ 18, ou seja, praticamente no piso do setor de vinhos finos. E a verdade é que essas práticas de bonificação, como a oferta de garrafas e degustações gratuitas para os “formadores de opinião” do mercado, faz com que o preço aumente para o consumidor final. Será que estamos vendo a mesma coisa acontecer com as cervejas? Há gente por aí falando em bolha. Por um lado, essas novas cervejas “de luxo” normalmente possuem longos prazos de validade e podem se dar ao luxo de demorar para vender; por outro, os estoques precisam rodar, e não sei até que ponto essas cervejas garantirão a rotatividade necessária para importações continuadas. Receio que voltemos a ter aquela situação típica de mercado imaturo: cervejas que vêm ao Brasil uma vez só e depois nunca mais voltam. Seria uma pena.

A outra ponta do mercado das importadas foi o boom das norte-americanas. Mas com reservas. Paradoxalmente, 2013 foi o ano das americanas em volumes de importação, mas também foi um ano em que os novos lançamentos se concentraram em cervejas repetitivas, que oferecem pouco interesse ao degustador. Muitas novas cervejarias, mas muito poucos rótulos realmente inovadores e interessantes, ou mesmo especialmente representativos. A maior parte do que chegou se limita a American pale ales, amber ales, IPAs, stouts e porters, o bê-a-bá da escola cervejeira norte-americana. Aqui e ali, alguma saison mais interessante. Cadê as surpreendentes criações dos ianques? Cadê as sour ales, as imperial stouts, as barrel-aged beers? E tudo vendido a preço de ouro: cervejas que custam US$ 2 lá nos EUA raramente aparecem por aqui por menos de R$ 20. 90% das americanas que têm chegado ao Brasil são cervejas de baixo teor alcoólico, que foram pensadas para serem consumidas em larga escala, mas cujo preço torna essa prática proibitiva aqui no Brasil. E algumas delas chegam em condições deploráveis (como é o caso das Anchor, cujas garrafas têm demonstrado um alarmante cansaço aqui no Brasil).

Para mim, as americanas de 2013 foram uma grande decepção. Com duas exceções: em primeiro lugar, a North Coast, com pelo menos uma cerveja que é referência de estilo, a Old Rasputin Russian Imperial Stout, e que realmente vale os R$ 20 que se paga pelas americanas por aqui. Em segundo lugar, a Ballast Point. Recebemos apenas a linha básica dessa sensacional cervejaria californiana, mas a amostra é boa e inclui pelo menos duas IPAs de alto padrão: a mais badalada Sculpin’ IPA e a subestimada, mas a meu ver mais equilibrada e agradável, Big Eye IPA. É preciso que os nossos importadores voltem a seguir o caminho que predominava antes em importações como a da Founders ou da Brooklyn: rótulos de qualidade consistente, bem acondicionados e distribuídos, com preços competitivos para conquistar e fidelizar novos consumidores. Precisamos de importadores que queiram vender a segunda garrafa para seus clientes, como já tem ocorrido no mercado de cervejas belgas e alemãs. A curiosidade pode nos fazer comprar uma cerveja pela primeira vez, mas é seu custo-benefício e sua consistência que nos farão comprar de novo e consolidar o mercado.

As nacionais

Se a coisa pegou fogo no domínio das importadas, o mesmo não aconteceu com as cervejas nacionais, que viveram um 2013 muito morno. O grande destaque foi a ampliação da prática de contract brewing, ou seja, dos contratos firmados por produtores independentes para produzir suas cervejas em fábricas já existentes. A burocracia necessária para abrir uma cervejaria no país é insana, e o contract brewing forneceu uma alternativa para os produtores que queriam fazer o salto entre a produção caseira e a comercial. Foi assim que marcas como a Dum ou a Urbana conseguiram entrar no mercado em 2013, prometendo boas novidades e mais rótulos para 2014. Quem conheceu a qualidade desses produtores, quando eles ainda estavam nas panelas caseiras, sabe que ainda tem muita coisa boa por vir.

Desse mato ainda sai coelho em 2014.
Fonte: www.allbeers.com.br
Mas as boas novidades pararam por aí. Para todas as outras cervejarias, foi um ano decepcionante. Poucos lançamentos dignos de nota, a maioria consistindo em reproduções de qualidade inferior dos estilos norte-americanos da moda, sobretudo as IPAs. E o pior: custando tanto quanto ou mais caro do que as American IPAs importadas direto da fonte! O resultado, infelizmente, foi uma sucessão de lançamentos desinteressantes, caros e medíocres, que eu nem tive gosto de acompanhar como fazia nos anos anteriores. Há um gargalo burocrático para experimentação (como as restrições para uso de certos ingredientes e a ausência de definição legal para o uso da madeira), mas é preciso ir além do que foi feito em 2013. E agora as cervejarias nacionais estão em uma posição delicada: com a invasão do mercado pelas importadas “de luxo”, não podem mais cobrar os absurdos que vinham cobrando por cervejas mais elaboradas. Essa é uma promessa a cumprir pelas cervejarias brasileiras em 2014.

É preciso apontar para o papel desempenhado pela irritante moda das cervejas norte-americanas. Hoje em dia, parece que só se pode ser legal bebendo IPA (americana, de preferência. O que, existe IPA inglesa?). As cervejarias brasileiras obviamente tentaram atender a essa tendência de mercado, mas em geral só se embananaram. A matéria-prima principal desses estilos (o lúpulo, e em especial as variedades norte-americanas) é cara no Brasil, ainda tem distribuição irregular e chega em mau estado de frescor, o que torna mais difícil a tarefa de produzir boa cerveja. Para piorar, as cervejarias brasileiras não têm know-how para produzir cervejas em estilo inglês e americano. Nosso mercado de artesanais cresceu apoiado na bagagem da tradição alemã. Claro que ninguém quer ficar só bebendo as alemãs basiconas (pilsner, Weiss, Schwarzbier etc.), mas o que eu esperava é que as nossas cervejarias fizessem com os estilos alemães exatamente o que os norte-americanos fizeram com os estilos ingleses: extrapolassem e criassem coisas novas e surpreendentes. É assim que teremos algo de relevante para contribuir com o cenário cervejeiro mundial. São pouquíssimas as cervejarias brasileiras que ainda se dedicam a experimentar com estilos e técnicas alemãs, entre as quais o destaque ainda é a Bamberg. Será que é por isso que a Bamberg foi responsável por alguns dos lançamentos mais interessantes e consistentes do ano?

A parte social

Com o crescimento do mercado, é natural que tenha ocorrido também um crescimento do zum-zum-zum sobre cervejas artesanais no país. Novos blogs, novos eventos e novos canais de divulgação. As cervejas ditas “especiais” definitivamente caíram no gosto dos brasileiros e hoje são talvez a bebida com maior visibilidade nas tendências de consumo, sobretudo entre os jovens de classe alta (A e B), que sentem que vinhos não são “descolados” o suficiente mas que querem se diferenciar em seus hábitos de consumo da classe C, que tem cada vez mais acesso às cervejas classificadas como “premium” (como Heineken, Budweiser, Original e que-tais).

A surreal fila de entrada do Beer Experience 2013.
Fonte: www.destinoscervejeiros.com
Curiosamente, esse crescimento do público e da comunicação não se fez acompanhar por uma ampliação da oferta de bons eventos centrados nas cervejas. 2013 teve vários eventos cervejeiros, mas o tom dominante de quem compareceu a eles foi de decepção. Ingressos caros para eventos que não ofereciam nenhum tipo de diferencial decisivo, seja em termos de rótulos exclusivos, seja em termos de descontos nos preços. E, para piorar, a infraestrutura frequentemente se mostrou precária, incapaz de atender necessidades básicas de um público consumidor de bebidas alcoólicas (como água, banheiros, comida, transporte coletivo etc.). Acredito que muitos organizadores tenham aprendido com os erros de 2013, e espero que 2014 tenha eventos mais bem organizados.

Na falta de mais eventos, a cultura cervejeira brasileira tem, cada vez mais, se tornado uma cultura de empórios – e mesmo de lojas on-line, cruciais num país de território tão dilatado e com economia tão centralizada no eixo sul-sudeste. E o mercado ainda está excessivamente centralizado em São Paulo. Tudo isso vai na contramão do que acontece no mercado norte-americano. Nem reclamo disso, na verdade, porque prefiro beber minhas cervejas em quantidade moderada, na companhia de amigos não-cervejeiros e de minha namorada, e o público cervejeiro que comparece aos eventos ainda é lamentavelmente pouco receptivo à vida feminina inteligente.

Por fim, a atitude da comunidade cervejeira nas redes sociais e mídias on-line tem me irritado um pouco. Apesar do crescimento do mercado, ainda predominam as patotinhas, as lamentáveis guerras de ego travadas por meio de constrangedores torpedos virtuais e o silêncio consentido. Silêncio sobre os preços e práticas abusivas do mercado. Uma irritante atitude baseada na monotonia do mantra do “paga quem quer, o quanto quer”. É como se os problemas deixassem de existir quando paramos de falar sobre eles. Uma comunicação de mercado que se preze exige muito mais transparência do que estamos vendo hoje. Acho que uma prática salutar que deveria ser adotada pelos blogueiros e comunicadores do meio - e que eu pretendo seguir - é sempre anunciar o preço das cervejas que estão sendo comentadas e divulgadas. Não se pode mais ingenuamente presumir que elas serão acessíveis para todos os leitores.


Na próxima quinzena, falo sobre as cervejas que mais me agradaram em 2013. Não perca!