segunda-feira, 23 de abril de 2012

Guias de estilos - Parte VIII: Uma IPA da Terra dos Papagaios


Até agora, temos debatido sobre as diferenças entre guias de estilos cervejeiros, com especial atenção para os guias do BJCP e do Brewers Association. Vimos que os guias de estilos estão historicamente associados às competições cervejeiras, e que o caráter de cada certame influencia as características de seu respectivo guia. Notamos ainda que isso implica que cada guia tem um foco diferente e serve para propósitos diferentes.

Mas tudo isso ainda pode soar teórico e abstrato demais. Procurarei agora exemplificar quão grandes podem ser as consequências práticas dessas questões a partir da degustação de uma mesma cerveja, seguindo ponto a ponto os dois guias de estilo. Quem será a vítima? Uma velha conhecida de todo amante de cervejas artesanais no Brasil, que já foi a menina dos olhos do mercado nacional mas hoje anda um pouco ofuscada pelo brilho dos novos lançamentos. Pois bem, vamos dar uma força à nossa querida Colorado Indica, uma das primeiras IPAs americanas (senão a primeiríssima!) produzida comercialmente em solo nacional. Por que ela? Espero que as razões fiquem claras ao final de nossa análise!

Colorado Indica
Aparência: o líquido de um belo acobreado-avermelhado profundo, com leve opacidade a frio, é encimado por uma espuma densa, cremosa, de volume mediano e boa persistência. Bom prenúncio.
Aromas: maltes e lúpulos de perfil americano travam um delicioso duelo. O lúpulo se sobressai no nariz com um forte floral americano, lembrando lavanda e rosas, além de maracujá, trazendo ainda um leve toque mentolado que refresca a garganta no final do gole. O malte, com o reforço da rapadura adicionada à receita, não fica atrás e mostra toda sua potência na boca com notas de caramelo intensas, além de castanhas e açúcar queimado. Um leve aroma de cebola não chega a comprometer seu frescor, e os sais minerais exibem um toque que lembra reboco de parede. Eu me lembrava de uma certa esterificação nesta cerveja, mas não a encontrei em intensidade relevante em minha última degustação para escrever esta matéria.

Paladar: o duelo malte-lúpulo se complementa no sabor. Ela exibe primeiro a forte doçura dos maltes e depois mostra um final seco e amargo de lúpulo, com doçura residual ao fundo que nunca chega a desaparecer por completo.
Sensação na boca: o aquecimento alcoólico é perceptível e o corpo é notável, de médio para médio-alto, mostrando a presença dos açúcares residuais da receita.

Clique aqui para ver uma avaliação completa.

Se eu tivesse de descrevê-la em poucas palavras, diria que é uma IPA robusta e com pegada, mas ao mesmo tempo descontraída e alegre. Não é aquela sensação típica das IPAs norte-americanas, de amargor intenso, mas uma sensação de força que se traduz no aquecimento do álcool e no golpe autoindulgente da doçura e do corpo contrabalanceando o amargor e o frescor aromático do lúpulo. Para mim, é uma cerveja bastante festiva e que tem o mérito de ser marcante sem deixar de agradar com facilidade mesmo pessoas que não estão muito habituadas a cervejas especiais.

Agora vejamos como ela se sai, ponto a ponto, confrontada com os dois guias de estilos dos quais temos falado. Comecemos pelo BJCP. O aroma de lúpulo condiz com a descrição do guia: o floral, o frutado e o toque herbal são típicos de variedades norte-americanas de lúpulo e se encaixam perfeitamente no estilo. O aroma de malte, porém, destoa do esperado: enquanto o BJCP preconiza uma “doçura limpa de malte”, a Indica ostenta orgulhosamente uma doçura mais tostada e caramelada que remete à rapadura usada na receita. A aparência está ali no limite do permitido: mais um pouco e seria escura demais. No sabor, a discrepância do aroma se confirma: o sabor de lúpulos americanos deve ser médio-alto a alto, e de fato é perceptível na Indica, mas o sabor do malte deve ser limpo, com toques tostados e caramelados apenas em baixa intensidade. Não é o que verificamos na degustação; pelo contrário, este rótulo não esconde nem joga para segundo plano sua exuberância caramelada. O corpo é descrito no BJCP como leve a médio-leve – mais leve que nas versões inglesas –, e aqui mais uma vez a Indica destoa com seu corpo um tanto mais robusto, rivalizando com o de uma ESB inglesa.

Não me lembro da última vez que vi alguém fazer 
esse gesto após beber uma Indica...
Fonte: sociedadeativa.net
Bola fora da Colorado? Não mesmo! Vamos compará-la com os quesitos elencados pelo guia da Brewers Association. A característica essencial do estilo – amargor, aroma e sabor de lúpulos norte-americanos em intensidade média-alta a alta – está presente. Seu aroma de lúpulo, é verdade, poderia ser mais pleno e evidente, mas ainda está perfeitamente dentro do estilo mesmo tendo de rivalizar com a potência do malte. Os dois principais “escorregões” da Indica de acordo com o BJCP (maltes tostados e corpo um pouco mais intenso) não são um problema para o BA, que indica apenas “caráter de malte mediano” e “corpo mediano” para o estilo. E o guia ainda é claro: a diferença entre o perfil aromático dos lúpulos ingleses e norte-americanos é suficiente para estabelecer a distinção entre IPAs inglesas e norte-americanas. Nossa Indica tem perfil de maltes mais próximo das inglesas, mas o aroma é decididamente norte-americano; para a Brewers Association, é mais que o suficiente para enquadrá-la adequadamente como IPA americana.

Num campeonato, essa diferença entre os guias seria fatal. Numa competição que seguisse o guia do BJCP, a Colorado Indica provavelmente não pontuaria bem – pode até ser que, diante de outros exemplares mais fiéis, fosse desclassificada antes de chegar à mesa final. No entanto, se o júri se orientasse pelo guia da Brewers Association, ela poderia ser considerada uma IPA americana original, criativa e com personalidade. Correria até sério risco de faturar medalha, dependendo do desempenho de suas concorrentes.

Isso nos mostra de forma dramática a diferença que existe entre os dois guias de estilos. Escolher o guia certo pode ser o primeiro passo para uma avaliação mais justa e condizente da cerveja que você está bebendo. Escolhi a Colorado Indica porque é um rótulo internacionalmente reconhecido, presença constante em rankings de cervejas nacionais. Seria impensável afirmar que se trata de uma cerveja mal executada. Contudo, se a avaliarmos de forma estrita pelo guia do BJCP, seremos obrigados a reconhecê-la como uma cerveja incapaz de atingir os requisitos do estilo proposto. Ou seja: o BJCP nos levaria a uma tremenda injustiça contra ela. O guia do Brewers Association, por sua vez, parece mais adequado para apreciá-la.


Qual o significado disso? Para avançar mais na argumentação, pode ser interessante recorrermos a uma comparação da Colorado Indica com um exemplar paradigmático do estilo “American IPA”. As diferenças que emergirem da comparação servirão de pontapé para entendermos melhor o sentido das divergências da Colorado Indica em relação ao modelo proposto pelo BJCP. É o que faremos na próxima parte desta matéria – não perca!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Guias de estilos - Parte VII: O duelo


O imperialismo britânico na Índia pelos menos 
fez uma coisa boa pelo mundo: as IPAs. E só.
Encontro entre Robert Clive e Mir Jafar após a batalha 
de Plassey, 1757, do pintor Francis Hayman.
Fonte: Wikimedia Commons

Na última parte desta matéria, tivemos a oportunidade de analisar o modelo usado por cada guia de estilos para descrever os diferentes estilos cervejeiros. Vejamos agora na prática as diferenças entre os guias do BJCP e do BA a partir de um exemplo: as IPAs americanas. Como se sabe, o estilo IPA (sigla para India Pale Ale) surgiu na Inglaterra para abastecer o mercado ultramarino indiano. Para suportar as longas viagens de navio, as pale ales tradicionais levavam uma carga extra de lúpulo, o que definiu então um novo estilo com maior amargor e aroma de lupulado mais pronunciado. O estilo tornou-se um dos mais populares nos EUA a partir da “revolução artesanal”, e os americanos criaram sua própria reinterpretação do estilo. Vejamos como os dois guias descrevem as IPAs americanas.

BJCP: 14B. American IPA
Aroma: um aroma de lúpulo proeminente a intenso, com caráter cítrico, floral, perfumado, resinoso, de pinho e/ou frutado, derivado de lúpulos americanos. Muitas versões passam por dry-hopping e podem ter um aroma adicional de grama, embora isso não seja necessário. O plano de fundo pode revelar uma doçura limpa de malte, mas esta deve ser mais suave que nos exemplos ingleses. Um caráter frutado, oriundo de ésteres ou dos lúpulos, também pode ser detectado em algumas versões, muito embora um caráter neutro de fermentação também seja aceitável. Um certo álcool pode ser percebido.
Aparência: coloração varia entre um dourado médio até um acobreado-avermelhado médio; algumas versões podem ter uma nuance alaranjada. Deve ser clara, embora algumas versões com dry-hopping possam ser um pouco turvas. Boa retenção de espuma, de coloração branca a crua.
Sabor: sabor de lúpulo varia de médio a intenso, e deve refletir um perfil de lúpulos americanos, com aspectos cítricos, florais, resinosos, de pinho ou frutados. O amargor de lúpulo é médio-alto a muito alto, embora a base de malte deva dar suporte ao lúpulo e para fornecer um bom equilíbrio. O sabor do malte deve ser de suave a mediano, e geralmente consiste em uma doçura limpa, ainda que sabores caramelados e tostados sejam aceitos em baixa intensidade. Leve frutado é aceitável, mas não necessário. O amargor pode persistir no retrogosto, mas não deve ser áspero ou grosseiro. Final seco a médio-seco. Um sabor limpo de álcool pode ser percebido nas versões mais alcoólicas. Carvalho é inapropriado neste estilo. Pode ter um leve toque sulfúrico, mas a maior parte dos exemplos não exibe esta característica.
Sensação na boca: sensação macia, com corpo médio-leve a médio, sem adstringência de lúpulo. A carbonatação moderada a média-alta pode passar uma impressão geral de secura mesmo em presença da doçura do malte. Um leve aquecimento de álcool pode e deve ser percebido em versões mais fortes, mas não em todas. O corpo é normalmente mais leve que nas versões inglesas.
Impressão geral: uma pale ale americana moderadamente forte, decididamente lupulada e amarga.
História: versão americana do estilo histórico inglês, produzida com ingredientes e com a atitude norte-americanos.
Ingredientes: malte pale ale (modificado e adaptado para mostura em temperatura única); lúpulos americanos; fermento americano pode produzir um perfil limpo ou levemente frutado. Normalmente são puro-malte, mas com mostura em baixa temperatura para atingir uma alta atenuação. As características da água variam de mole a moderadamente sulfurosa. Versões com um caráter de centeio perceptível (“RyePA”) devem ser inscritas na categoria “Especialidade”.
Estatísticas vitais: IBUs: 40-70; SRM: 6-15; OG: 1.056-1.075; FG: 1.010-1.018; ABV: 5.6-7.5%
Exemplos comerciais: Bell’s Two-Hearted Ale, AleSmith IPA, Russia River Blind Pig IPA, Stone IPA, Three Floyds Alpha King, Great Divide Titan IPA, Bear Republic Racer 5 IPA, Victory Hop Devil, Sierra Nevada Celebration Ale, Anderson Valley Hop Ottin’, Dogfish Head 60 Minute IPA, Founder’s Centennial IPA, Anchor Liberty Ale, Harpoon IPA, Avery IPA.

Brewers Association: American-Style India Pale Ale
American-style India pale ales tem amargor, aroma e sabor de lúpulo médio-alto a intenso, com teor alcoólico médio-alto. O estilo ainda se caracteriza pelo caráter floral, frutado, cítrico, de pinho, resinoso ou sulfúrico das variedades americanas de lúpulo. Note que o caráter de variedades americanas de lúpulo é o efeito percebido, mas pode ser fruto do uso habilidoso de lúpulos de outras origens. O emprego de água com alto teor de sais minerais resulta em uma cerveja seca. Esta ale de coloração dourada a profundamente acobreada tem um aroma pleno, floral, de lúpulo, e pode ter um forte sabor de lúpulo (em adição à percepção de amargor de lúpulo). India pale ales possuem caráter de malte mediano, resultando em corpo mediano. Sabores e aromas frutados de ésteres variam entre moderados e muito intensos. Diacetil pode estar ausente, ou ser percebido em níveis baixos. Turbidez a frio ou de lúpulo é aceitável. (Considera-se que os lúpulos ingleses e os lúpulos cítricos americanos são distinção suficiente para separar as IPAs nas subcategorias de estilo inglês e americano. Lúpulos de outras origens podem ser usados para amargor ou para criar uma impressão aproximada do caráter das variedades tradicionais inglesas ou americanas. Veja English-style India Pale Ale.
Gravidade original (ºPlato) 1.060-1.075 (14.7-18.2 ºPlato); Gravidade final/extrato aparente (ºPlato) 1.012-1.018 (2-4 ºPlato); Álcool por peso (volume) 5-6% (6.3-7.5%); Amargor (IBU) 50-70; Coloração SRM (EBC) 6-14 (12-28 EBC)

Semelhanças e diferenças

Uma clássica IPA americana: 
Dogfish Head 60 Minute IPA.
Fonte: beerandamovie.wordpress.com
Algumas semelhanças se impõem naturalmente na comparação, mas também surgem algumas diferenças mais ou menos importantes. Em primeiro lugar, ambos os guias concordam com um fato: o aroma, o sabor e o amargor de lúpulo de variedades norte-americanas, em intensidade médio-alta a intensa, compõem o elemento central do estilo. As estatísticas técnicas variam em alguns pontos importantes: o BJCP inclui no estilo cervejas com amargor e teor alcoólico menos pronunciados que a BA (uma observação interessante: até a edição de 2011 do guia da Brewers Association, amargor e teor alcoólico eram menos intensos do que no BJCP, e atualmente essa relação se inverteu). Outras diferenças marginais podem ser percebidas: o BA é mais permissivo quanto ao perfil frutado de ésteres do que o BJCP, enquanto este admite maior variabilidade na composição de sais minerais da água.

Diferenças mais importantes dizem respeito ao corpo e ao perfil de maltes: o BJCP entende que o corpo deve ser mais leve, e a percepção de malte deve ser suave a mediana, preferencialmente com sabor limpo – caramelado e tostado só são aceitável em baixa intensidade. Já o guia do BA aponta apenas “corpo mediano” e usa a lacônica expressão “caráter de malte mediano”, sem definir de forma mais específica os sabores esperados do malte. Será que os juízes da Brewers Association cochilaram e se esqueceram de detalhar essa parte? Claro que não. A questão é que o elemento percebido como distintivo do estilo é o protagonismo de lúpulos de características norte-americanas; os demais elementos recebem menos atenção e inclusive podem apresentar uma margem de variação maior. O comentário final, em itálico, deixa claro esse aspecto: o aroma de lúpulo remetendo a variedades americanas, no entendimento da BA, é suficiente para distinguir as IPAs americanas das inglesas. Enquanto o BJCP lista todas as diferenças (de coloração, corpo, sabor de malte, doçura), o guia da BA enfatiza aquela que é entendida como a principal diferença: o aroma de lúpulo.

Pode parecer pouco, mas a diferença é suficiente para que algumas cervejas sejam desclassificadas de acordo com um dos guias e sejam julgadas favoravelmente de acordo com o outro. Tentarei exemplificar isso na próxima e última parte desta matéria, a partir da degustação, e da comparação ponto a ponto, de uma célebre American IPA brasileira com ambos os guias. Não perca!

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guias de estilos - Parte VI: Modelos de apresentação de estilos


Já contei por alto a história da criação dos modernos guias de estilos cervejeiros e mostrei as virtudes e pontos fracos de cada um deles. Para tirar a teima, resta fazer uma comparação detalhada da forma como os guias do BJCP e da BA apresentam os estilos. A partir desta análise, as inclinações de cada guia poderão ficar mais claras.

A descrição de estilo do BJCP

Vamos lá: Turbidez? Talvez. Diacetil? Não.
Fonte: svmsolutions.com
Como comentei, o guia de estilos do BJCP é o que oferece maior grau de detalhamento. Além de indicar os parâmetros técnicos e a impressão geral do estilo, ele discrimina individualmente cada característica sensorial do estilo. A descrição apresenta elementos vetados para o estilo, capazes de desclassificar uma cerveja na qual estejam presentes. Para indicá-los, o guia usa termos como “não deve”, “inapropriado” ou “não pode”. Além deles, apresenta elementos que precisam invariavelmente estar presentes, usando expressões como “deve” ou “precisa”. Por fim, aponta elementos opcionais do estilo com termos como “pode ter/conter/apresentar”, “aceitável”, “apropriado” ou “típico”. Cervejas que não apresentem essas características opcionais não devem ser desclassificadas ou penalizadas. A linguagem é bastante técnica e normalmente requer algum grau de familiaridade com o processo de produção de cervejas.

Após o nome do estilo, a descrição segue as seguintes seções padronizadas:

Aroma: descreve o aroma e dá especial atenção para o perfil de lúpulo esperado do estilo e para a presença ou ausência de subprodutos da fermentação.
Aparência: descreve não apenas a cor, mas também a turbidez (quando aceitável) e as características da espuma.
Sabor: como a cerveja se comporta na boca, com especial atenção para o equilíbrio entre os gostos doce-amargo-ácido. O texto indica como esses gostos se alternam na boca ao longo do gole, além de apontar a secura ou doçura residual esperadas do retrogosto.
Sensação na boca: descreve o corpo, a textura, o aquecimento alcoólico e a carbonatação da cerveja.
Impressão geral: depois da análise item a item, o guia apresenta uma síntese, muitas vezes comparando o estilo em questão com outros estilos.
História: esta seção aparece apenas em alguns estilos, e descreve a criação e a evolução do estilo ao longo do tempo, em especial para estilos especificamente atrelados a certos contextos históricos.
Comentários: aprofunda a comparação com outros estilos e apresenta variações possíveis.
Ingredientes: indica as matérias-primas mais importantes da receita de cervejas do estilo, discriminando tipos de malte e varietais de lúpulo típicas (o que é um grande auxílio para cervejeiros caseiros).
Estatísticas vitais: composta exclusivamente por números, apresenta os parâmetros técnicos quantitativos do estilo: IBU (unidades de amargor), SRM (escala de cor), OG (gravidade original, medida de açúcares do mosto), FG (gravidade final, medida dos açúcares no produto finalizado) e ABV (teor alcoólico medido por volume).
Exemplos comerciais: consiste em uma lista de rótulos industriais representativos do estilo, que podem ser encarados como encarnações típicas, das quais se pode esperar conformidade com a descrição oferecida. Esta seção tem um forte apelo didático, uma vez que a comparação dos rótulos indicado com a descrição do estilo é uma excelente forma de aprendizado.

Todos os estilos seguem esse mesmo padrão. Como se pode ver, trata-se de uma descrição rigorosa e exaustiva, que apresenta muitas características sensoriais e ainda fornece indicações sobre a produção e a história do estilo. Do ponto de vista didático, ao meu ver, é um guia imbatível. Mas é justamente a sua exaustividade que pode se tornar seu maior calcanhar-de-Aquiles, na medida em que apresenta um espaço de variação menor do que outros guias menos detalhados.

A descrição de estilo da Brewers Association

Direto ao ponto: a concisão é uma característica 
do Brewers Association.
Fonte: svmsolutions.com
A descrição de estilos do guia da Brewers Association contrasta de cara com a do BJCP pela sua brevidade: enquanto algumas descrições do BJCP alcançam os 4.000 caracteres, as do BA variam entre 500 e 2.000 caracteres, tornando-as mais enxutas. Isso, obviamente, se reflete em uma menor quantidade de informações e menor rigor na descrição, mas também as torna mais gerais e mais adaptáveis a diferentes interpretações do estilo. Assim como o BJCP, mas de forma menos sistemática, o guia do BA também indica características obrigatórias, ideais, opcionais e inadequadas a cada um dos estilos.

Uma diferença visível entre as descrições de ambos os guias é que o guia da BA apresenta todas as informações em um texto corrido, sem divisão por seções. Isso torna a descrição menos pormenorizada e menos analítica, mas permite descrever de forma mais rápida a interação entre os vários elementos da cerveja. Por exemplo, em vez de descrever o aroma lupulado, depois o sabor maltado, e depois fazer um comentário sobre o contraste, o guia da BA pode simplesmente afirmar que “o aroma lupulado é equilibrado pela forte doçura de malte na boca.” Além disso, o guia do BA apresenta uma linguagem ligeiramente menos técnica, mais focada na impressão sensorial do que na origem de cada características da cerveja.

As informações contidas na descrição quase sempre são apresentadas na seguinte sequência: primeiro uma descrição da cor, seguida de uma enumeração resumida das principais características do estilo. Seguem-se descrições mais discriminadas dos elementos aromáticos de lúpulo, subprodutos da levedura e perfil de malte. O guia comenta também brevemente o corpo esperado da cerveja, sem entrar em detalhes. Ao final, pode apresentar um comentário geral sobre a interação e o equilíbrio desejado entre todos os elementos, e/ou apontar algumas características indesejadas para o estilo (que podem desclassificar um rótulo num campeonato). Nem todos os estilos seguem rigorosamente o mesmo formato; contudo, ao final, sempre são apresentados alguns parâmetros técnicos na seguinte sequência: gravidade original, gravidade final, teor alcoólico, unidades de amargor e coloração.

Em suma, sua descrição é menos sistemática e privilegia os elementos considerados mais típicos e distintivos do estilo, aqueles que fornecem uma definição básica da proposta apresentada por aquele tipo de cerveja. O guia deixa em aberto outras características consideradas menos centrais, em vez de preenchê-las com os dados encontrados nos rótulos tradicionais do estilo. Até por isso, permite uma maior margem de variação ao cervejeiro: desde que ele mantenha as características consideradas indispensáveis, pode brincar um pouco com as demais, em vez de replicar todos os parâmetros das cervejas que definiram o estilo. Possui uma relevância didática talvez menor do que o guia do BJCP, mas permite apreciar melhor a margem de liberdade usada pelo cervejeiro na criação de sua receita e seu diferencial em relação às concorrentes. Para quem já conhece a definição clássica dos estilos, o guia da BA torna-se um complemento importante para apreciar suas variações.

Na próxima parte, exemplificarei este comparativo a partir de um estilo específico, por meio do qual teremos a oportunidade de ver claramente quão relevantes podem ser as diferenças entre os guias. A comparação terminará com uma degustação da mesma cerveja de acordo com cada um dos guias. Acompanhe!