Já contei por alto a história da criação dos modernos guias
de estilos cervejeiros e mostrei as virtudes e pontos fracos de cada um deles.
Para tirar a teima, resta fazer uma comparação detalhada da forma como os guias
do BJCP e da BA apresentam os estilos. A partir desta análise, as inclinações
de cada guia poderão ficar mais claras.
A descrição de estilo
do BJCP
Vamos
lá: Turbidez? Talvez. Diacetil? Não.
Fonte:
svmsolutions.com
|
Como comentei, o guia
de estilos do BJCP é o que oferece maior grau de detalhamento. Além de indicar
os parâmetros técnicos e a impressão geral do estilo, ele discrimina
individualmente cada característica sensorial do estilo. A descrição apresenta
elementos vetados para o estilo, capazes de desclassificar uma cerveja na qual
estejam presentes. Para indicá-los, o guia usa termos como “não deve”,
“inapropriado” ou “não pode”. Além deles, apresenta elementos que precisam
invariavelmente estar presentes, usando expressões como “deve” ou “precisa”.
Por fim, aponta elementos opcionais do estilo com termos como “pode
ter/conter/apresentar”, “aceitável”, “apropriado” ou “típico”. Cervejas que não
apresentem essas características opcionais não devem ser desclassificadas ou
penalizadas. A linguagem é bastante técnica e normalmente requer algum grau de
familiaridade com o processo de produção de cervejas.
Após o nome do estilo, a descrição segue as seguintes seções
padronizadas:
Aroma: descreve o
aroma e dá especial atenção para o perfil de lúpulo esperado do estilo e para a
presença ou ausência de subprodutos da fermentação.
Aparência:
descreve não apenas a cor, mas também a turbidez (quando aceitável) e as
características da espuma.
Sabor: como a
cerveja se comporta na boca, com especial atenção para o equilíbrio entre os
gostos doce-amargo-ácido. O texto indica como esses gostos se alternam na boca
ao longo do gole, além de apontar a secura ou doçura residual esperadas do
retrogosto.
Sensação na boca:
descreve o corpo, a textura, o aquecimento alcoólico e a carbonatação da
cerveja.
Impressão geral:
depois da análise item a item, o guia apresenta uma síntese, muitas vezes
comparando o estilo em questão com outros estilos.
História: esta
seção aparece apenas em alguns estilos, e descreve a criação e a evolução do
estilo ao longo do tempo, em especial para estilos especificamente atrelados a
certos contextos históricos.
Comentários:
aprofunda a comparação com outros estilos e apresenta variações possíveis.
Ingredientes:
indica as matérias-primas mais importantes da receita de cervejas do estilo,
discriminando tipos de malte e varietais de lúpulo típicas (o que é um grande
auxílio para cervejeiros caseiros).
Estatísticas vitais:
composta exclusivamente por números, apresenta os parâmetros técnicos
quantitativos do estilo: IBU (unidades de amargor), SRM (escala de cor), OG
(gravidade original, medida de açúcares do mosto), FG (gravidade final, medida
dos açúcares no produto finalizado) e ABV (teor alcoólico medido por volume).
Exemplos comerciais:
consiste em uma lista de rótulos industriais representativos do estilo, que
podem ser encarados como encarnações típicas, das quais se pode esperar
conformidade com a descrição oferecida. Esta seção tem um forte apelo didático,
uma vez que a comparação dos rótulos indicado com a descrição do estilo é uma
excelente forma de aprendizado.
Todos os estilos seguem esse mesmo padrão. Como se pode ver,
trata-se de uma descrição rigorosa e exaustiva, que apresenta muitas
características sensoriais e ainda fornece indicações sobre a produção e a
história do estilo. Do ponto de vista didático, ao meu ver, é um guia
imbatível. Mas é justamente a sua exaustividade que pode se tornar seu maior
calcanhar-de-Aquiles, na medida em que apresenta um espaço de variação menor do
que outros guias menos detalhados.
A descrição de estilo
da Brewers Association
Direto
ao ponto: a concisão é uma característica
do Brewers Association.
Fonte:
svmsolutions.com |
A descrição de estilos do guia da Brewers Association
contrasta de cara com a do BJCP pela sua brevidade: enquanto algumas descrições
do BJCP alcançam os 4.000 caracteres, as do BA variam entre 500 e 2.000 caracteres,
tornando-as mais enxutas. Isso, obviamente, se reflete em uma menor quantidade
de informações e menor rigor na descrição, mas também as torna mais gerais e
mais adaptáveis a diferentes interpretações do estilo. Assim como o BJCP, mas
de forma menos sistemática, o guia do BA também indica características
obrigatórias, ideais, opcionais e inadequadas a cada um dos estilos.
Uma diferença visível entre as descrições de ambos os guias
é que o guia da BA apresenta todas as informações em um texto corrido, sem
divisão por seções. Isso torna a descrição menos pormenorizada e menos
analítica, mas permite descrever de forma mais rápida a interação entre os
vários elementos da cerveja. Por exemplo, em vez de descrever o aroma lupulado,
depois o sabor maltado, e depois fazer um comentário sobre o contraste, o guia
da BA pode simplesmente afirmar que “o aroma lupulado é equilibrado pela forte
doçura de malte na boca.” Além disso, o guia do BA apresenta uma linguagem
ligeiramente menos técnica, mais focada na impressão sensorial do que na origem
de cada características da cerveja.
As informações contidas na descrição quase sempre são apresentadas
na seguinte sequência: primeiro uma descrição da cor, seguida de uma enumeração
resumida das principais características do estilo. Seguem-se descrições mais
discriminadas dos elementos aromáticos de lúpulo, subprodutos da levedura e
perfil de malte. O guia comenta também brevemente o corpo esperado da cerveja,
sem entrar em detalhes. Ao final, pode apresentar um comentário geral sobre a
interação e o equilíbrio desejado entre todos os elementos, e/ou apontar
algumas características indesejadas para o estilo (que podem desclassificar um
rótulo num campeonato). Nem todos os estilos seguem rigorosamente o mesmo
formato; contudo, ao final, sempre são apresentados alguns parâmetros técnicos
na seguinte sequência: gravidade original, gravidade final, teor alcoólico,
unidades de amargor e coloração.
Em suma, sua descrição é menos sistemática e privilegia os
elementos considerados mais típicos e distintivos do estilo, aqueles que
fornecem uma definição básica da proposta apresentada por aquele tipo de cerveja.
O guia deixa em aberto outras características consideradas menos centrais, em
vez de preenchê-las com os dados encontrados nos rótulos tradicionais do
estilo. Até por isso, permite uma maior margem de variação ao cervejeiro: desde
que ele mantenha as características consideradas indispensáveis, pode brincar
um pouco com as demais, em vez de replicar todos os parâmetros das cervejas que
definiram o estilo. Possui uma relevância didática talvez menor do que o guia
do BJCP, mas permite apreciar melhor a margem de liberdade usada pelo
cervejeiro na criação de sua receita e seu diferencial em relação às
concorrentes. Para quem já conhece a definição clássica dos estilos, o guia da
BA torna-se um complemento importante para apreciar suas variações.
Na próxima parte, exemplificarei este comparativo a partir
de um estilo específico, por meio do qual teremos a oportunidade de ver
claramente quão relevantes podem ser as diferenças entre os guias. A comparação
terminará com uma degustação da mesma cerveja de acordo com cada um dos guias.
Acompanhe!
Interessante, conhecia só o guia do BA, não sabia que o do BJCP também era livre. Descobri sem querer e sem ter qualquer relação com a afirmação anterior que minha descrição de uma degustação de cerveja segue muito mais a BA que a BJCP. Abraços!
ResponderExcluir