terça-feira, 3 de abril de 2012

Guias de estilos - Parte VI: Modelos de apresentação de estilos


Já contei por alto a história da criação dos modernos guias de estilos cervejeiros e mostrei as virtudes e pontos fracos de cada um deles. Para tirar a teima, resta fazer uma comparação detalhada da forma como os guias do BJCP e da BA apresentam os estilos. A partir desta análise, as inclinações de cada guia poderão ficar mais claras.

A descrição de estilo do BJCP

Vamos lá: Turbidez? Talvez. Diacetil? Não.
Fonte: svmsolutions.com
Como comentei, o guia de estilos do BJCP é o que oferece maior grau de detalhamento. Além de indicar os parâmetros técnicos e a impressão geral do estilo, ele discrimina individualmente cada característica sensorial do estilo. A descrição apresenta elementos vetados para o estilo, capazes de desclassificar uma cerveja na qual estejam presentes. Para indicá-los, o guia usa termos como “não deve”, “inapropriado” ou “não pode”. Além deles, apresenta elementos que precisam invariavelmente estar presentes, usando expressões como “deve” ou “precisa”. Por fim, aponta elementos opcionais do estilo com termos como “pode ter/conter/apresentar”, “aceitável”, “apropriado” ou “típico”. Cervejas que não apresentem essas características opcionais não devem ser desclassificadas ou penalizadas. A linguagem é bastante técnica e normalmente requer algum grau de familiaridade com o processo de produção de cervejas.

Após o nome do estilo, a descrição segue as seguintes seções padronizadas:

Aroma: descreve o aroma e dá especial atenção para o perfil de lúpulo esperado do estilo e para a presença ou ausência de subprodutos da fermentação.
Aparência: descreve não apenas a cor, mas também a turbidez (quando aceitável) e as características da espuma.
Sabor: como a cerveja se comporta na boca, com especial atenção para o equilíbrio entre os gostos doce-amargo-ácido. O texto indica como esses gostos se alternam na boca ao longo do gole, além de apontar a secura ou doçura residual esperadas do retrogosto.
Sensação na boca: descreve o corpo, a textura, o aquecimento alcoólico e a carbonatação da cerveja.
Impressão geral: depois da análise item a item, o guia apresenta uma síntese, muitas vezes comparando o estilo em questão com outros estilos.
História: esta seção aparece apenas em alguns estilos, e descreve a criação e a evolução do estilo ao longo do tempo, em especial para estilos especificamente atrelados a certos contextos históricos.
Comentários: aprofunda a comparação com outros estilos e apresenta variações possíveis.
Ingredientes: indica as matérias-primas mais importantes da receita de cervejas do estilo, discriminando tipos de malte e varietais de lúpulo típicas (o que é um grande auxílio para cervejeiros caseiros).
Estatísticas vitais: composta exclusivamente por números, apresenta os parâmetros técnicos quantitativos do estilo: IBU (unidades de amargor), SRM (escala de cor), OG (gravidade original, medida de açúcares do mosto), FG (gravidade final, medida dos açúcares no produto finalizado) e ABV (teor alcoólico medido por volume).
Exemplos comerciais: consiste em uma lista de rótulos industriais representativos do estilo, que podem ser encarados como encarnações típicas, das quais se pode esperar conformidade com a descrição oferecida. Esta seção tem um forte apelo didático, uma vez que a comparação dos rótulos indicado com a descrição do estilo é uma excelente forma de aprendizado.

Todos os estilos seguem esse mesmo padrão. Como se pode ver, trata-se de uma descrição rigorosa e exaustiva, que apresenta muitas características sensoriais e ainda fornece indicações sobre a produção e a história do estilo. Do ponto de vista didático, ao meu ver, é um guia imbatível. Mas é justamente a sua exaustividade que pode se tornar seu maior calcanhar-de-Aquiles, na medida em que apresenta um espaço de variação menor do que outros guias menos detalhados.

A descrição de estilo da Brewers Association

Direto ao ponto: a concisão é uma característica 
do Brewers Association.
Fonte: svmsolutions.com
A descrição de estilos do guia da Brewers Association contrasta de cara com a do BJCP pela sua brevidade: enquanto algumas descrições do BJCP alcançam os 4.000 caracteres, as do BA variam entre 500 e 2.000 caracteres, tornando-as mais enxutas. Isso, obviamente, se reflete em uma menor quantidade de informações e menor rigor na descrição, mas também as torna mais gerais e mais adaptáveis a diferentes interpretações do estilo. Assim como o BJCP, mas de forma menos sistemática, o guia do BA também indica características obrigatórias, ideais, opcionais e inadequadas a cada um dos estilos.

Uma diferença visível entre as descrições de ambos os guias é que o guia da BA apresenta todas as informações em um texto corrido, sem divisão por seções. Isso torna a descrição menos pormenorizada e menos analítica, mas permite descrever de forma mais rápida a interação entre os vários elementos da cerveja. Por exemplo, em vez de descrever o aroma lupulado, depois o sabor maltado, e depois fazer um comentário sobre o contraste, o guia da BA pode simplesmente afirmar que “o aroma lupulado é equilibrado pela forte doçura de malte na boca.” Além disso, o guia do BA apresenta uma linguagem ligeiramente menos técnica, mais focada na impressão sensorial do que na origem de cada características da cerveja.

As informações contidas na descrição quase sempre são apresentadas na seguinte sequência: primeiro uma descrição da cor, seguida de uma enumeração resumida das principais características do estilo. Seguem-se descrições mais discriminadas dos elementos aromáticos de lúpulo, subprodutos da levedura e perfil de malte. O guia comenta também brevemente o corpo esperado da cerveja, sem entrar em detalhes. Ao final, pode apresentar um comentário geral sobre a interação e o equilíbrio desejado entre todos os elementos, e/ou apontar algumas características indesejadas para o estilo (que podem desclassificar um rótulo num campeonato). Nem todos os estilos seguem rigorosamente o mesmo formato; contudo, ao final, sempre são apresentados alguns parâmetros técnicos na seguinte sequência: gravidade original, gravidade final, teor alcoólico, unidades de amargor e coloração.

Em suma, sua descrição é menos sistemática e privilegia os elementos considerados mais típicos e distintivos do estilo, aqueles que fornecem uma definição básica da proposta apresentada por aquele tipo de cerveja. O guia deixa em aberto outras características consideradas menos centrais, em vez de preenchê-las com os dados encontrados nos rótulos tradicionais do estilo. Até por isso, permite uma maior margem de variação ao cervejeiro: desde que ele mantenha as características consideradas indispensáveis, pode brincar um pouco com as demais, em vez de replicar todos os parâmetros das cervejas que definiram o estilo. Possui uma relevância didática talvez menor do que o guia do BJCP, mas permite apreciar melhor a margem de liberdade usada pelo cervejeiro na criação de sua receita e seu diferencial em relação às concorrentes. Para quem já conhece a definição clássica dos estilos, o guia da BA torna-se um complemento importante para apreciar suas variações.

Na próxima parte, exemplificarei este comparativo a partir de um estilo específico, por meio do qual teremos a oportunidade de ver claramente quão relevantes podem ser as diferenças entre os guias. A comparação terminará com uma degustação da mesma cerveja de acordo com cada um dos guias. Acompanhe!

Um comentário:

  1. Interessante, conhecia só o guia do BA, não sabia que o do BJCP também era livre. Descobri sem querer e sem ter qualquer relação com a afirmação anterior que minha descrição de uma degustação de cerveja segue muito mais a BA que a BJCP. Abraços!

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