sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Amburana em três versões

É fato: as cervejas com maturação em madeira vieram para ficar. Se, há alguns anos, rótulos envelhecidos em barris de carvalho eram raros e difíceis de encontrar, hoje a oferta desse tipo de cerveja cresceu muito no mercado brasileiro. Mais importante que isso: antes eram apenas algumas poucas importadas que tinham estágio em madeira, enquanto hoje as principais microcervejarias brasileiras também têm feito experimentos com barris. Os primeiros resultados desse “surto madeireiro” brazuca já estão nas prateleiras, e não há dúvida de que mais outros chegarão.

O extraordinário barrel room da cervejaria 
Goose Island, em Chicago. Um dia a gente chega lá.
Fonte: www.esquire.com
A maturação em madeira é uma técnica cervejeira muito antiga, já que, antes do surgimento de tanques de maturação feitos em aço, os barris e tonéis de madeira eram o recipiente mais comum para fermentação e maturação das cervejas. A maioria das cervejarias migrou para o aço ao longo do século XIX, de modo que o uso da madeira foi se tornando mais e mais raro. Isso não foi fortuito. A madeira apresenta algumas dificuldades para o cervejeiro: em comparação com o inox, ela é porosa e difícil de higienizar completamente, ocasionando o surgimento de infecções e microorganismos indesejáveis para a maior parte dos estilos cervejeiros. Além disso, a troca de compostos químicos entre a madeira e o líquido ocasiona alterações no sabor, no aroma e na textura da cerveja, gerando diferenças difíceis de serem padronizadas. A idade da madeira, o tamanho dos barris, o tratamento e a tosta empregados, tudo isso causa alterações no produto final, de modo que é possível dizer que cada barril vai dar origem a uma cerveja diferente. A substituição da madeira pelo inox, portanto, fez parte do conjunto de transformações da indústria cervejeira no século XIX, que garantiram maior padronização dos produtos.

Ainda assim, a madeira seguiu sendo usada em alguns estilos tradicionais, como algumas old ales inglesas, bem como as lambics e as Flanders red ales da Bélgica. Mais recentemente, a maturação em madeira foi resgatada pela escola norteamericana, que voltou a empregar barris para maturar uma enorme diversidade de estilos. A princípio, a madeira passou a ser usada para a produção de estilos alcoólicos e robustos, como imperial stouts. Com o tempo, porém, começaram a ser usados em outros estilos, e hoje há até IPAs maturadas em madeira. O guia de estilos da Brewers Association, antenado às principais tendências do mercado cervejeiro, inclui nada menos que 5 categorias especialmente reservadas para cervejas envelhecidas em madeira (sem contar os estilos em que a madeira já era tradicionalmente empregada), atentando para diferenças em coloração, teor alcoólico e acidez da cerveja-base.

Madeira, madeiras

Um dos experimentos mais interessantes feitos pelas microcervejarias é o emprego de diferentes tipos de barris para maturar a mesma cerveja-base. As diferenças no produto final são surpreendentes. O estratagema mais frequentemente empregado pelas cervejarias para variar a madeira é maturar suas cervejas em barris de segundo uso que foram usados antes para maturar outros tipos de bebidas. Assim, pode-se oferecer uma mesma imperial stout maturada em barris de cognac, vinho tinto, vinho do Porto, uísque, Bourbon, e por aí vamos – como faz a belga Struise com sua prestigiada linha Black Damnation. O uso ubíquo de barris de segundo uso levou até ao surgimento de um conceito equivocado de que a bebida anteriormente usada nos barris afetaria o produto final mais do que a madeira em si – assim, cervejas maturadas em barris de uísque são descritas como tendo “sabor de uísque”, por exemplo, o que é uma tremenda simplificação dos efeitos da madeira sobre a cerveja. A Mikkeller foi ainda mais longe para produzir sua série Forêt: maturou a mesma cerveja-base (uma “barley wine” de 19,3% ABV) em barris feitos com carvalho francês de três diferentes origens geográficas, variando o grau de tosta dos barris.

A majestosa amburana, cuja madeira é amplamente 
empregada na indústria da cachaça.
Fonte: biosementes.com.br
Contudo, o que permanece quase sempre constante nas cervejas maturadas em madeira mundo afora é que, com pouquíssimas exceções, os barris empregados são sempre de carvalho – seja francês, seja americano. Isso reflete o fato de que o carvalho é a madeira mais amplamente empregada na produção de bebidas alcoólicas ao redor do mundo, devido à sua durabilidade, impermeabilidade e bom impacto sensorial nas bebidas. Contudo, nesse quesito em particular, o Brasil oferece uma interessante exceção: nossa brasileiríssima cachaça é uma das poucas bebidas que são corriqueiramente maturadas em barris e tonéis de diferentes tipos de madeira. Há cachaças envelhecidas em barris de carvalho, ipê, amendoim, amburana, bálsamo, jequitibá, e por aí vamos. E cada tipo de madeira interage de formas muito diferentes com a bebida dentro dos barris, gerando resultados completamente distintos.

Parece-me evidente que, se a indústria cervejeira brasileira busca um diferencial na produção de estilos maturados em madeira, deve se valer da experiência das cachaçarias brasileiras com o uso de diferentes tipos de madeira. Por enquanto, o carvalho ainda predomina nas salas de maturação das microcervejarias nacionais, mas há experimentos com outras madeiras que podem abrir todo um imenso horizonte de variações de cores, sabores, texturas e aromas. Em especial, algumas cervejarias têm investido no emprego de uma madeira tipicamente sul-americana chamada amburana (conhecida ainda como umburana, imburana-de-cheiro ou cumaru), extraída de uma árvore (a Amburana cearensis) que, infelizmente, encontra-se ameaçada de extinção.

A amburana é uma velha conhecida dos apreciadores de cachaça – e, devo dizer, uma das minhas madeiras preferidas para maturação de uma boa “amarelinha”. Uma das minhas cachaças preferidas, a mineira Claudionor, da cidade de Januária, é maturada em amburana por 1 ano antes de ser engarrafada. A amburana tem um aroma marcante, adocicado e sedutor, que me lembra muito cocada preta, baunilha, móveis da fazenda (a amburana também é usada na fabricação de mobiliário, em parte devido ao seu odor agradável) e um toque de especiarias doces, como a canela.

Três cervejas maturadas em amburana

Fonte:
www.ocontadordecervejas.com.br
Temos hoje, no mercado cervejeiro, três rótulos com maturação em barris de amburana, todos com perfis muito diferentes. O pioneiro foi lançado em 2011 e faz parte de uma série especial, de inspiração norteamericana, produzida pela cervejaria Bäcker, intitulada 3 Lobos. A 3 Lobos Bravo é uma imperial porter que matura em barris de umburana, com receita do mestre Paulo Schiaveto. É provavelmente a cerveja com estágio em barris mais barata do mercado artesanal, com um excelente custo-benefício, podendo ser encontrada a partir de R$ 12 pela long neck. A mais escura das três, apresenta uma coloração marrom bem escura, quase preta. Seu aroma exala indulgência e doçura em doses cavalares: muito chocolate ao leite, açúcar mascavo e caramelo dos maltes interagindo com toques acentuados da umburana, remetendo a cocada preta, madeira doce e mobiliário colonial. Impossível não lembrar de cachaça! Toques frutados (banana e ameixas) ficam em segundo plano. Na boca, uma avalanche de doçura do começo ao fim, com amargor secundário mas correto (os respeitáveis 42 IBUs só equilibram a doçura do malte) e final longo, persistente, com retrogosto de coco, chocolate e madeira. O corpo é intenso e a textura é bem licorosa, açucarada. Os 9% de álcool são perceptíveis, mas não chegam a incomodar decisivamente. Os primeiros lotes dessa cerveja ficaram prejudicados por um toque muito intenso de acetaldeído (que tem aroma químico e acentua desagradavelmente o álcool), o que fez com que a cerveja deixasse uma má impressão nos degustadores, mas tenho a impressão de que a receita foi mais bem ajustada depois, o que elevou a qualidade da cerveja significativamente. A 3 Lobos Bravo tem boas condições para envelhecimento, de modo que é uma ótima opção para encher a adega!

Fonte: acervo pessoal
A segunda cerveja maturada em umburana a ser lançada no mercado brasileiro foi a Way Amburana Lager. É uma das poucas opções de lagers envelhecidas em madeira, sendo que a receita-base se inspira levemente no estilo doppelbock, mas é um pouco mais seca e delicada. Na verdade, a receita foi toda pensada para interagir com a madeira, e a cervejaria também desenvolveu uma tosta específica dos barris para alcançar o resultado almejado. A Way Amburana Lager tem uma proposta bem diferente da 3 Lobos: trata-se de uma cerveja mais leve, com alta drinkability considerando seu teor alcoólico, de sabor e sensação amena e agradável na boca, mas sem abdicar de um toque decididamente amadeirado no sabor. Sua coloração lembra o mogno, com um bonito marrom-avermelhado e uma ótima espuma clara, muito persistente, deixando rendas na lateral do copo. O aroma é o menos expressivo das três cervejas analisadas aqui, predominando no nariz um perfume floral um pouco chapado dos lúpulos e um toque do malte caramelado, lembrando ainda melaço de cana. O que lhe falta de profundidade no nariz, porém, é compensado pela profusão de sabores na boca: o caramelo e o melaço do malte interagem lindamente com a madeira criando a impressão de toffee e até um toque de cappuccino. A amburana está lá com sabores de cocada preta, móveis coloniais, baunilha doce e um toquezinho sutil de defumação. Além disso, sentem-se frutas escuras e vermelhas, com destaque para cerejas e um agradável sabor de Amaretto que persiste na boca. Predomina a doçura do malte, mas o amargor secundário se faz perceber de forma firme e equilibrada no final. O corpo é leve para mediano, sutil para o estilo, com carbonatação suave e textura macia e agradavelmente acetinada. Os 8.4% ABV estão diabolicamente ocultados, tornando-a perigosamente fácil de beber. Falta-lhe a intensidade avassaladora que aprendemos a esperar de cervejas maturadas em madeira, mas ela compensa mostrando-se fácil de beber e agradável. Uma cerveja mais suave que a média do estilo, mas com um sabor agradavelmente amadeirado.

Fonte: tripstapix.com
A mais recente cerveja com maturação em amburana que chegou ao mercado faz parte da recente e já muito prestigiada linha Wood-Aged Series, da microcervejaria curitibana Bodebrown. A proposta da linha é apresentar diferentes cervejas com perfil adequado para longos períodos de guarda, todas maturadas em diferentes tipos de madeira. Depois da estreia da série com uma excelente strong ale maturada em carvalho, o segundo rótulo foi a Bodebrown Wee Heavy Wood Aged Series 2014. Trata-se de uma versão da premiada strong Scotch ale da cervejaria, maturada durante 6 meses em dornas de amburana de 750 litros, anteriormente utilizadas para a produção de cachaça pela cachaçaria gaúcha Weber Haus. Cerveja séria, seríssima. De coloração marrom-avermelhada, mostrou pouca espuma, o que é comum em cervejas maturadas em madeira. Seu aroma é, de longe, o mais complexo das três cervejas analisadas: uma tonelada de toffee, doce de leite e cocada-preta interagem em primeiro plano. A umburana imprime notas de baunilha, especiarias doces (canela e cravo) e uma sensação mineral, lembrando cal e gerânios, que se encontra em algumas cervejas maturadas em madeira, e que não é totalmente agradável – provavelmente seu maior defeito. Bananas passas e tâmaras secas dão-lhe um interessante toque frutado. Um quê de defumação, lembrando copa e embutidos defumados, reflete a pequena porcentagem de maltes defumados da receita-base e interage bem com a doçura do conjunto, sem ofuscá-la. Há uma certa untuosidade de DMS ao fundo, que não chega a comprometer a cerveja decisivamente. Na boca, mais uma vez a doçura é intensa e predominante, com amargor suficiente apenas para equilibrá-la, sem roubar a cena, e o retrogosto é muito persistente, macio e vívido. O corpo é intenso e licoroso sem exageros – em algum lugar entre a leveza da Way e o peso da 3 Lobos. Para mim, é a mais interessante e complexa das três cervejas avaliadas, ainda que tenha apresentado algumas arestas a aparar no aroma. A cerveja foi vendida apenas no site da cervejaria, em sistema de pré-venda – portanto, quando sair a safra 2015, não bobeie e garanta as suas garrafas!

Se compararmos as três cervejas pelas suas principais características, chegaremos ao seguinte resultado:


A 3 Lobos Bravo se destaca pela torrefação doce e pela intensidade. A Way Amburana Lager, por sua vez, mostra um perfil mais suave e elegante, fácil de beber. A Bodebrown Wee Heavy Wood Aged Series 2014 se localiza numa espécie de intermediário entre as duas anteriores, mas ganha proeminência especialmente pela complexidade aromática. Três excelentes cervejas maturadas em madeira, cada uma com suas características. Mais importantes que as diferenças, porém, é a marcante semelhança entre três cervejas de propostas e estilos-base tão distintos entre si. Essa unidade prontamente perceptível entre as três, que as diferencia de quaisquer outras wood-aged beers que eu já provei, vem evidentemente do perfume doce e inebriante da amburana. Prova de que o uso criativo da nossa biodiversidade na produção cervejeira não precisa se restringir à profusão, já um tanto banal, de frutos tropicais em cervejas brasileiras. Se buscarmos nossa inspiração na secular indústria colonial da cachaça e na sua diversidade de madeiras, encontraremos um sólido manancial para experimentação de técnicas produtivas que pode conferir às microcervejarias brasileiras um diferencial decisivo na produção de cervejas maturadas em madeira.

22 comentários:

  1. Post muito pertinente! As três cervejas são excelentes. A 3 lobos na mamãe bebidas acha- se por 7 reais. Vale mencionar a mineira Ouropretana Brown Porter, que matura por dez dias em barris de Amburana. To com uma na adega, vou tomar pra ver se a amburana se destaca tbm. Abrc

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    1. Gustavo, eu não conheço a Ouropretana Brown Porter, bom saber. Suponho que a madeira seja mais suave, levando-se em conta que são apenas 10 dias de estágio no barril. Depois você me diz o que achou!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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  2. Grande Marcussi! Das três, só provei a Way, e adorei essa cerveja. Um nítido amadeirado/defumado compondo um conjunto bem complexo e extremamente saboroso. É fantástica! Só não a achei tão "leve" como você citou. Agora, fico imaginando as outras...

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    1. Claudinei, ela é leve se a compararmos com as outras duas, não em absoluto. Eu me lembro até de ter ficado um pouco "decepcionado" com ela quando ela saiu, porque esperava algo mais porrada. Mas hoje em dia, revisitando o rótulo, consigo apreciá-la muito melhor e entender suas virtudes.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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  3. Texto providencial, Marcussi.

    Preciso tomar mais Way Amburana, já que acredito que só a experimentei.

    Já a Bravo é uma das cervejas que mais tomei nos últimos anos. Certa vez, li que a Bravo que encontramos nas garrafas é um blend da mesma cerveja maturada em barris de amburana com outra parte maturada normalmente. No site da Backer não há referência expressa a isso, mas se for verdade, tenho vontade que eles lancem uma versão 100% maturada.

    A Wee Heavy ficou fenomenal, como você acha que o dulçor dela se comportará com o envelhecimento das garrafas?

    Abraços,

    Gabriel Lucas
    http://factoide.com.br

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    1. Fala, Gabriel!

      1. A Way Amburana não me surpreendeu muito quando a bebi pela primeira vez (como comentei com o Claudinei, no comentário acima), mas depois dei uma segunda chance a ela e fiquei muito satisfeito. A cerveja é mais leve, o aroma é pouco marcante, mas a interação de sabores na boca é muito afinada, com sutileza. Breja para gente grande.

      2. A Bravo é "parcialmente maturada" em barris de amburana, segundo a Bäcker. Acredito que isso signifique que ela é blendada, mas também não consegui confirmar a informação. De qualquer forma, acho que é a mais amadeirada das três. Acho que a Bäcker deve usar barris virgens, o que explica a pegada amadeirada tão intensa. Não sei se a versão 100% maturada seria melhor, talvez a madeira sufocasse a torrefação e as frutas. Seria um experimento interessante!

      3. A Wee Heavy ficou ótima mesmo, mas eu ainda preferi a Double Perigosa, pelo perfil de evolução/envelhecimento que já estava evidente. A longo prazo, a Wee Heavy com certeza terá a doçura ainda mais acentuada, mas ela deverá ser equilibrada pelo salgado e pela acidez que devem se desenvolver com os anos.

      Abraços!
      Alexandre A. Marcussi

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    1. Obrigado, Samuel! Aguardamos com ansiedade os "próximos capítulos" dessa deliciosa saga Wood-Aged que a Bodebrown tem oferecido!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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  5. Parabéns Marcussi!
    Mais um belo texto.

    Acredito que tanto a 3 lobos quanto a Way sejam maturadas em madeira virgem não? A 3 lobos achei que a madeira estava "crua", como se mordesse uma tábua.
    Na way estava mais suave mas penso que talvez com chips de madeira utilizada em outra bebida ela crescesse bastante. Também penso que o carvalho seja superior à amburana para o propósito.

    O caso das duas bodebrowns penso que estejam em um patamar bem acima da Way e 3 Lobos.
    Das duas gostei mais do double perigosa. Apesar do dulçor estava mais limpa e mais assertiva. A Wee Heavy um pouco mais agressiva talvez pela cachaça e pela amburana.
    Gostaria de ver ambas em carvalho de bourbon (tenho uma caseira aqui do Caíque Rampazzo - originalmente uma IPA em barril de carvalho Jack Daniel's - que estava espetacular - 2 anos depois ou é um nectar ou estragou rs)

    Grande abraço!

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    1. Fala, Jota!

      A Way provavelmente usa barris virgens, já que a tosta foi escolhida especialmente para essa cerveja. Mas o sabor da madeira é limpo e não há adstringência - nesse particular, tenho a impressão de que a amburana tem um sabor mais limpo e suave, menos pesado que o carvalho, com menos taninos inclusive. Com a Bravo, a madeira sempre me pareceu apetitosa, limpa e bem integrada, nunca peguei essa sensação de "crueza" que você descreve. Mas toda wood-aged muda de lote para lote se não há uma blendagem muito assertiva e um grande número de barris para padronizar o sabor. Estou testando o envelhecimento da Bravo e depois conto aqui o que acontece com a madeira depois de uns anos (minhas garrafas estão com 2 anos e poucos meses, ainda não abri nenhuma).

      Também gostei mais da Double Perigosa do que da Wee Heavy, justamente porque estava mais limpa, como você mesmo apontou. De qualquer modo, as duas cervejas indicam que essa linha Wood-Aged da Bodebrown vai render coisas excelentes. Mas minha impressão pessoal é a de que eu prefiro ver as cervejarias experimentando variações no uso da madeira em si (tamanho dos barris, primeiro ou segundo uso, graus de tosta, tipo de madeira etc.) do que na bebida que o barril carregou anteriormente. Há muito a se fazer apenas no que tange ao bom uso da madeira, como mostra a experiência das vinícolas - que conseguem todo tipo de variações sem usar barris de outras procedências. Acho que uma bebida anterior é uma segunda camada sensorial que só deveria vir depois que a madeira, em si, já está sendo usada com toda competência possível. Tenho a impressão de que, no mundo cervejeiro (e isso não apenas no Brasil), há um foco excessivo nessa coisa do "barril de X ou Y bebida", em detrimento do bom uso da madeira em si.

      Enfim, há um mundo de possibilidades!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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  6. Informações que você talvez não tenha sobre a Amburana Lager, que ouvi diretamente do Alessandro (cervejeiro) no evento aqui em São Paulo no Butantan Food Park.
    A cerveja da garrafa é um blend entre a versão maturada e a cerveja "jovem". Não apenas é um blend, como são receitas ligeiramente diferentes. A cerveja que vai pro barril é uma receita levemente alterada (não sei se ele não mencionou o que exatamente ou se apenas não me lembro) pra "suportar' ou "combinar" (chamemos como quiser) melhor com a maturação. Segundo ele, a cerveja do barril pura é muito intensa, a Amburana em si é uma madeira que "impregna" muita a bebida e não dá pra servir straight.
    Eu tomei algumas outras coisas maturadas em barril deles lá, pouco comerciais pela intensidade (incluindo uma barleywine maturada em barril de cachaça que parecia um suco de rapadura, e uma imperial stout maturada em barril de rum, essa sim uma delícia, e na minha opinião a melhor combinação de cerveja x barril de spirit), mas todas, no mínimo interessantíssimas.
    A Amburana eu já tomei diversas vezes mas precisava tomar novamente, não me lembro muito bem dela. Estou com uma aqui pra fazer guarda. Acha que vale a pena?

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    1. Muito interessantes essas informações, Edson. Eu cheguei a desconfiar de que a Amburana Lager fosse um blend devido à sua suavidade, mas não tinha a confirmação. Pelo visto, então, realmente a intenção do produtor foi conseguir ao máximo "suavizar" a cerveja maturada em madeira. Eu não apostaria nela para guarda. Acho que a cerveja é delicada demais para envelhecer, com corpo suave que vai tender a ficar meio ralo - mas, de todo modo, são 8.4% ABV, não é exatamente pouco. Eu estou adegando a Bravo (minhas garrafas já estão com 2 anos e alguns meses) e a Wee Heavy, tenho boas expectativas para essa. Depois você diz como a Amburana Lager se saiu e a gente compara!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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  7. Excelente post, Marcussi, e excelente comentário, Edson. Coincidentemente, eu e um grupo de amigos estávamos especulando, no último sábado, sobre qual seria o melhor estilo de cerveja a maturar em barris de rum. Meu voto foi por uma imperial IPA. Abraços!

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    1. Olá, Marcius,

      Tenho minhas reservas em relação à ideia de maturar IPAs em madeira, acho que a madeira pode facilmente sobrepujar o frescor dos lúpulos. Ademais, tendo a gostar mais do estágio em madeira quando a cerveja passa um tempo relativamente longo no barril, o que prejudicaria a potência aromática de uma IPA. Estou para tomar uma IPA maturada em madeira que me agrade.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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    2. Acho que o bacana de maturar uma cerveja do tipo imperial ipa em barris é ver como ela se sai e aos poucos se transforma em uma especie de barleywine, obviamente os aromas iniciais de lupulo vão desaparecendo e aos poucos vão aparecendo notas de coco queimado, baunilha, caramelo dependendo da barrica e da tosta. O barato acho de degustar uma imperial ipa maturada em barricas não é o frescor de lúpulo e sim a presença de outras notas, provei algumas importadas e nenhuma me pareceu com aroma de lúpulo, pelo contrario, mas pareciam barleywines, talvez american barleywines. muito bom post!! abs

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  9. Excelente texto!!

    Informação e descrições perfeitas!!

    Já degustei as 3 cervejas citadas na sua postagem, a Way e a Backer bebi no início da minha saga cervejeira, a inexperiência certamente fez com que eu as aproveitasse mal sensorialmente. A Bodebrown tive o prazer de degustar no final do ano passado no Mondial de la Biere aqui no Rio, e as minhas sensações gustativas foram melhor aproveitadas.

    O seu texto e a minha futura aventura de produzir uma RIS maturada em barril para um blend (os estudos para uma receita e maturação já estão em profusão), farão com que eu volte a beber a Way e a Backer para quem sabe mudar o barril para a Amburana (espero que ache um de 5l, pois de carvalho já é vendido).

    Obs: A passagem falando de cachaça também me deu uma ideia a ser estudada. Moro perto de uma Cachaçaria das melhores do Brasil, a Maxicana, onde seu proprietário, seu Augusto, diz orgulhoso: "O alambique foi projetado por engenheiros. O Alambique está de acordo com os mais rigorosos padrões de qualidade, possuem certificado de análise do Ministério da Agricultura que atesta a excelência das bebidas, isentas totalmente de cobre, óleo fúsel, metais pesados e carbamato de etila que é cancerígeno.
    A presença de cobre provoca cirrose hepática e metais pesados, dores de cabeça e mal estar.
    Todos as bebidas, cachaça pura, saborisadas e envelhecidas em barris de carvalho importados da Escócia tem plantio e produção própria.
    Até hoje não existe nenhum alambique no Brasil que tenha esta tecnologia.
    Estes são os principais diferenciais da cachaça Maxicana.

    Quem sabe eu não peça a ele pra maturar 5 litros de sua cachaça antes de maturar a minha cerveja, rs.

    Abraços.

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    1. Olá, Fernando, tudo bem?

      Só preste atenção a alguns detalhes na escolha do seu barril e no uso que vai fazer da cerveja resultante. Quanto menor o barril, maior o superfície de contato com a madeira proporcionalmente ao volume da cerveja. Isso faz com que, quanto menor o barril, mais intensas sejam as marcas que a madeira deixa na cerveja, em termos de aroma, textura e taninos. Também maior será a oxidação do líquido (a madeira propicia uma micro-oxigenação do líquido no seu interior). O padrão estabelecido para a indústria de vinhos, e tenho visto que também é o mais comum nas cervejarias, é usar a chamada "barrica francesa", de 200 litros. Se você pretende se aventurar com um barrilete de 5 litros, tome cuidado com a intensidade da pegada amadeirada. Deixe a cerveja por pouco tempo na madeira e, de preferência, prepare um blend com uma versão maturada normalmente. Acho que assim você consegue um resultado mais equilibrado. Mas faça seus experimentos e depois me conte o que saiu!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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  10. Parabéns pelo texto, Marcussi. Concordo com a ideia de que o mercado nacional tem absorvido as brejas enevelhecidas em madeira e, felizmente, os rótulos estão com valores palatáveis para qualquer assalariado. Enfim, moro em Montes Claros - MG, próximo de Salinas (capital mundial da cachaça) e de Januária, local que produz sua caninha preferida. Penso em fazer uma Vienna Lager na panela e envelheçe-la em barris de Amburana já usadas no amadurecimento de cachaça (que nao são impossíveis de encontrar por essas bandas). A propósito, qual sua opinião sobre a maturação de cervejas em chips de madeira, e não em barris? Tecnicamente, o ganho em custos e em escalas não justificariam a aposentadoria dos barris virgens?

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    1. Olá, Gedeon, tudo bem?

      É bom ver que algumas cervejarias têm tentado oferecer rótulos envelhecidos em barrica por valores minimamente acessíveis, raramente ultrapassando o dobro do valor das outras cervejas da linha (o que, hoje em dia, já está suficientemente caro). Considere-se um privilegiado pelo acesso aos barris das destilarias! :-)

      Sobre os chips de madeira, podem ser mais econômicos, mas não oferecem efeito idêntico aos barris. A começar pelo fato de que os chips são feitos com partes do caule da árvore diferentes dos barris, então a composição química da madeira é diferente. Também vale ressaltar o fato de que barricas propiciam uma microoxigenação da cerveja que é muito desejável em estilos mais aptos à guarda, e que permite produzir características de old ales. Por fim, a complexidade microbiológica de um barril é superior à dos chips, se você se interessa por leveduras selvagens e bactérias. Por todos esses motivos, não vejo os barris sendo aposentados tão cedo - eles têm um papel que os chips simplesmente não conseguem cumprir a contento. Mas, se sua intenção é apenas a de dar uma "pegada" amadeirada à sua cerveja, os chips são uma opção simples, prática e econômica.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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