quinta-feira, 15 de maio de 2014

Cerveja e cinema: The Bling Ring e as redes sociais cervejeiras

Sim, O Cru e o Maltado agora está no Facebook após anos de teimosa recusa. Bastou um perfil falso homenageando nosso querido bispo devorado pelos caetés (hilariamente, considerando seu sobrenome) e eu me esqueci do risco de ser pressionado por alunos impertinentes a respeito de meus hábitos cervejeiros. (Alunos, nunca se esqueçam de seus professores também têm vida privada e preferem que ela continue assim.) E, sim, eu finalmente troquei meu jurássico celular por um smartphone (obrigado pelo presente, minha linda!) e faço parte da legião de cervejeiros que faz check-in de tudo o que bebe no Untappd. Nunca estive tão internético. E também nunca estive tão enfadado a respeito desse fato.

Cartaz do filme.
Fonte: www.awardsdaily.com
Quero digredir um pouco. Historiador adora uma digressão, mas eu juro que volto ao assunto. É que o filme mais recente da diretora Sofia Coppola me parece o ponto de partida perfeito para voltar a falar sobre o zum-zum-zum cervejeiro nas redes sociais, embora não haja muita cerveja no filme (só vodka, energético e cocaína, pode ser?). Conheci Sofia Coppola quando da repercussão de seu primeiro grande sucesso comercial no Brasil: Encontros e Desencontros, de 2003. Odiei o tom pretensiosamente pseudofilosófico e a sucessão de chavões vazios do filme. Também odiei de morte o anacronismo insultoso de sua película subsequente, Maria Antonieta, de 2006. Assim sendo, estava preparado para continuar detestando-a quando aluguei The Bling Ring, de 2013 (que ganhou no Brasil o duvidoso título de “A gangue de Hollywood”). Só que eu amei perdidamente o filme.

Bling Ring inspira-se em uma história assustadoramente real, mostrando que a realidade é frequentemente mais incrível que a ficção. Spoilers adiante – o que não quer dizer muita coisa, já que os fatos aconteceram e todo mundo sabe como a história terminou. O enredo foi baseado em um artigo escrito pela jornalista americana Nancy Jo Sales para a revista Vanity Fair, intitulado The suspects wore Louboutins (“Os suspeitos calçavam Louboutins”), que conta a história de um grupo de adolescentes de Los Angeles que descobriu que podia facilmente invadir casas de celebridades enquanto elas estavam ausentes, fazer festinhas privadas e roubar pequenos “mimos” dos guarda-roupas de seus ídolos.

Luxo, ostentação e Facebook

O filme, obviamente, conta uma interpretação da história, sendo que altera ou dá menos importância a alguns detalhes do caso para imprimir à narrativa sua própria perspectiva. Isso não é um demérito: pelo contrário, é o que permite à diretora expressar com mais consistência e clareza sua visão dos eventos. Ou você acha que existe alguma narrativa que conta “fielmente” todos os fatos “como eles de fato aconteceram” (como dizia o caduco historiador Leopold Von Ranke no século XIX)?  Na vida real, os roubos somaram um impressionante montante de 3 milhões de dólares em produtos, dinheiro e joias. No filme, o valor monetário ganha pouca importância: as etiquetas com os emblemas “Dior”, “Chanel” ou “Louis Vuitton” eram o verdadeiro troféu contido nos objetos levados pelos adolescentes. E, convenhamos: ninguém vira uma celebridade mundial somente por roubar 3 milhões de dólares, concorda?

O filme revela uma ironia interessante que esses adolescentes revelaram. Na montanha-russa da especulação e da ciranda do consumo global, um vez que os caríssimos artigos de luxo são usados publicamente pelas celebridades, eles perdem completamente o valor para elas. Afinal, não se vai a duas cerimônias do Oscar com o mesmo vestido. O closet das celebridades se torna uma espécie de cemitério de fantasmáticas roupas proibidas, objetos caríssimos completamente esvaziados de seu valor-de-uso. Tanto é que, no filme de Coppola, quando malas cheias de roupas, sapatos e acessórias são discretamente surrupiados, seus donos sequer se dão conta de que foram roubados. Os objetos readquirem valor na mão dos ladrões, que correm para postar os novos modelitos no Facebook e no Instagram. Paradoxalmente, é o crime que restitui o valor a esses objetos e os coloca novamente no circuito da ostentação que é seu habitat natural.

O filme poderia tranquilamente aproveitar a história para contar uma enfadonha lição de moral sobre as consequências negativas e a imoralidade de uma vida vazia, consumista e irresponsável, sobre como essa nova geração de jovens está perdida, sobre como tudo era melhor quando as pessoas eram menos fúteis (e as mulheres não saíam na rua de minissaia) e todo esse bla-bla-bla saudosista. Numa dada altura do filme, eu até achei que Sofia Coppola estava indo por aí – afinal, está na moda ser conservador –, mas, felizmente, ela optou por não fazer isso. Em vez disso, ela radicalizou: mergulhou de cabeça na linguagem e na sedução do mundo em que esses jovens viviam e, de lá de dentro, mostrou que eles não estavam fazendo nada muito diferente de 95% de tudo o que circula nas redes sociais.

Que “xis” que nada! O negócio é fazer biquinho!
Fonte: http://www.insanos.com.br/
O ritmo do filme capta magistralmente o tempo simultaneamente fragmentado, rápido e enfadonhamente repetitivo das redes sociais, análogo ao da publicidade: tudo é um flash de luxo, uma pose rápida para a câmera, uma balada exclusiva e descolada, um produto novo. As situações se alternam com uma naturalidade desconcertante: celular a postos, os adolescentes se levantam e, em perfeita sincronia, começam a dançar como se estivessem curtindo a noite há horas. Um biquinho para a câmera, um flash, e voltam a conversar naturalmente sobre problemas de família. O importante é “sair bem na foto”, pois os registros visuais, que serão mostrados para os outros, são mais importantes do que a situação em si. Lembrei daquela moda que deu entre as adolescentes de, em vez de sair para a balada, irem umas às casas das outras apenas para se produzir e postar as fotos. No filme, as casas das celebridades se sucedem numa mesmice de luxo e ostentação. O filme parece um gigantesco e interminável comercial da Tom Ford, ou um clipe de hip-hop bling-bling de 2 horas de duração. Acho que esse era o filme que Sofia Coppola queria gravar quando fez Maria Antonieta, mas, aqui, ela não cometeu o erro de ambientar a história no século XVIII. Ela encarou o desafio da contemporaneidade e direcionou suas preocupações estéticas para o ambiente correto.

Coppola insere quebras estrategicamente, fazendo a mesquinhez da vida cotidiana se intrometer na ostentação para perturbá-la. O luxo dos produtos de grife roubados das celebridades contrasta de forma decepcionante com os quartos de classe média onde os adolescentes escondem de seus pais o butim de suas traquinagens: cômodos chocantemente precários se comparados às casas-vitrine das celebridades. A própria infantilidade dos membros da gangue, adolescentes comuns de um colégio norte-americano, rompe eventualmente o véu do glamour que eles criam em torno de si. O resultado é o mesmo misto de constrangimento e sedução que experimentamos ao ver as fotos da balada de um adolescente deslumbrado no Facebook, ou o último videoclip das paradas norte-americanas com aquelas ridículas dancinhas sincronizadas e poses sensuais que você abomina e não consegue parar de assistir de tão chamativo. O mérito do filme de Coppola é que ela mergulha na linguagem fragmentada do consumo contemporâneo e leva seus descompassos às últimas consequências – sem nunca cometer o erro de julgá-la a partir de fora.

Emma Watson encarna o “plastic sexy” 
de sua personagem.
Fonte: http://www.insanos.com.br/
Aquilo que, numa clássica história moral, seria o desfecho punitivo para o personagem vil, em Bling Ring é só mais um lance no jogo de autopromoção e sedução que os jovens jogam durante o filme todo. Por conta da própria publicidade que faziam de seus roubos, exibidos como troféus, a gangue acaba presa. E, das cortes de justiça, os adolescentes foram direto para as manchetes da Vanity Fair – finalmente lado a lado com as celebridades que tanto admiravam. Para a jovem Nicki, interpretada pela surpreendente Emma Watson, o julgamento, a polêmica em torno de seus crimes e até sua prisão não passam de mais uma postagem de grande repercussão na imensa timeline que era sua vida. Um meio de atingir uma audiência ainda maior. E nisso ela parece não se distinguir muito de seus ídolos mais famosos – afinal de contas, como relata em um programa televisivo, após ser detida pelos roubos e invasões, a adolescente teve a honra de ficar encarcerada em uma cela contígua à de Lindsay Lohan, cuja casa ela já invadira. As celebridades de Hollywood já aprenderam há muito tempo que, quando se faz um bom escândalo, a recompensa em termos de publicidade supera em muito a banalidade das prisões, fianças e multas administrativas. Nicki se revela aluna sagaz.

The suspects drank Westvleteren

Mas o que tudo isso tem a ver com cerveja? O leitor inteligente já terá percebido o rumo dessa conversa. Como disse lá no começo, recentemente entrei para o Untappd e criei uma página no Facebook. E fiquei assustado com a publicidade que as pessoas fazem em torno dos seus hábitos de consumo cervejeiro. Fotos de garrafas e copos cheios (e, principalmente, meio vazios) repetem-se monotonamente. Em geral são mal tiradas, mas não estão lá para serem bonitas, e sim como uma espécie de “prova visual” de que Fulano ou Cicrano realmente conseguiu pôr os lábios em um copo da tão cobiçada ____________ (insira aqui a mais nova importada de luxo do mercado ou alguma rara e exclusiva “whale” americana como a Dark Lord ou a Hunahpu’s). Como não bastasse ostentar os rótulos, caçam as medalhas do Untappd numa espécie de corrida maluca para ver quem bebeu a maior variedade de cervejas, o maior número de rótulos italianos, e por aí vamos.

Os “troféus” cervejeiros repetem-se com uma frequência assustadora pelo espaço virtual, muito raramente acompanhados de qualquer informação ou opinião útil sobre as cervejas. É difícil ler qualquer coisa além de “muito f*da pra c***lho”. E, bem, para ser sincero, considerando a quantidade de rótulos que o nosso não-tão-fictício degustador já postou antes na mesma noite, duvido que ele esteja em condições de avaliar seriamente o que está bebendo. Onde estou com a cabeça para querer qualquer coisa além de um “breja top!”? Beber menos e melhor? Sim, sei. E sabe o que é o pior? Em mim, essas coisas têm o exato mesmo efeito daquela mistura incômoda de constrangimento e sedução que Coppola conseguiu emular com seu Bling Ring. Repudio esse hábito, mas existe uma parte terrível de mim, lá no fundo, que também quer um golinho daquele copo de Hunahpu’s. Por mais idiota que saibamos ser essa lógica metafórica do troféu (tornada literal pelas medalhas do Untappd!), se ela ainda tem tanta força social, é porque exerce uma mórbida atração sobre nós, produtos da sociedade de consumo.

“Preciso de uma nova câmera fotográfica para 
conseguir pegar todas as garrafas da farrinha de ontem!”
Fonte: gemconevents.blogspot.com
Repete-se o mantra de que as redes sociais criam espaços para discussão e compartilhamento de informações, e que resultam em consumidores mais bem informados e supostamente mais qualificados. Às vezes eu fico me questionando se isso não é conversinha para boi dormir para justificar certos excessos de consumo. Afinal, se eu sou um consumidor bem informado e sei dar valor ao que compro, então eu sou merecedor de apreciar uma cerveja que me custou R$ 200 da mão de algum atravessador. E ainda chamamos isso de “cultura cervejeira”. O mercado de cerveja artesanal no Brasil se apoia no consumo de produtos muito caros que, por conterem álcool, são capazes de “flexibilizar” nossa capacidade de julgamento financeiro e nos tornam presas fáceis de seduções ridículas. Depois de quatro chopes, aquela garrafa de R$ 200 (que eu jamais compraria se estivesse sóbrio) não parece mais tão proibitiva. Lá vou eu abri-la, para depois me gabar de tê-la bebido. No fim do mês, esse dinheiro vai fazer falta para mim (ou, pior ainda, para as pessoas com quem divido meu orçamento). Mas eu tenho “cultura cervejeira”, “bom gosto” ou o-que-quer-que-seja que me diferencia dos meros mortais que continuam ignorantemente bebendo suas cervejas de milho transgênico – e é isso o que importa. É a autoindulgência do consumo justificando e encobrindo a lógica adolescente, competitiva e ostentatória do “meu pau é maior do que o seu” – subtexto de boa parte do que leio online nos meios cervejeiros. Leia-se: “minha carteira é mais recheada que a sua”. Sério que estamos reduzindo milênios de história cervejeira a isso?

Se meus leitores me dão licença, agora vou buscar um copo de cerveja. E, obviamente, tirar uma foto e fazer check-in no Untappd. Nos vemos por lá!


20 comentários:

  1. Demais esse seu post! E é triste o fato de, se você substituir a palavra "cerveja' do texto por alguma outra - balada, padaria, prato de espaguete, academia -, o raciocínio dar certo também.
    Peguei o maior bode da Sofia por conta desses dois filmes que você mencionou + a pá de cal: "Um lugar qualquer", que conseguiu me tirar do sério. Mas agora te juro que vou ver Bling Ring.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Dani, bom te ver por aqui!

      É, acho que você tem razão, muito embora minha mente não tivesse sido imaginativa e deturpada a ponto de imaginar a mesma coisa com a palavra "academia". :-D Quanto ao filme da Sofia Coppola, vale pelo menos o aluguel na locadora (alguém além de mim ainda aluga filmes, anyway?). Eu assisti para não gostar e ela saiu completamente redimida! Vou me lembrar de não ceder à tentação de assistir a "Um lugar qualquer".

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
  2. Acho que a pergunta correta seria: "Sério que reduzimos milênios de história humana a isso?"

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tem toda razão, André! É só que eu não quis soar tão deprê assim! :-D

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
  3. Muito pertinente sua reflexão, Marcusi. Por coincidência tenho divagado ultimamente sobre o Untappd também, e pra mim aquilo não difere muito de um video game, é uma disputa de 'toasts', de cerveja mais cool ( geralmente, tem que ser as mais caras!!), de 'badges', que impulsiona em muito o consumismo desenfreado e desfavorece a reflexão/ degustação sobre a cerveja. Realmente, poucos são os confrades que tecem apontamentos perinentes sobre a degustação, e na maioria das vezes me incluo nesse grupo.
    O que mais me impressiona é que muita gente só quer fazer o check-in e ponto: fazem dois check-ins dentro de poucos minutos ( até no mesmo minuto), afora aqueles que 'roubam' descaradamente, fazendo check-in de um monte de cerveja caríssima, quase que simultaniamente, o que me faz me sentir como o mais pobre dos confrades hahahaha.Eu também não consigo fugir muito do Untappd e atualmente também estou naquela 'fogueira das vaidades' e, inlcusive, posto fotos também!! rrsrsr. Abraços, parabéns pelo seu bolg, espero sempre ansiosamente pelos dias 15 e 1°
    pra ver seu posts que são sempre muito bons!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Gugão!

      O formato do Untappd não favorece muito a expressão de ideias e a troca de experiências, pelas limitações à extensão do texto nos comentários. E fora que eu acho um porre interromper o seu papo para dar check-in no celular! Esse é o motivo pelo qual eu me incluo no grupo dos que fazem um monte de check-ins na sequência: às vezes fico o final de semana inteiro sem usar o Untappd e, na segunda-feira, vai tudo de uma vez só!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
    2. Poxa, aí você perdeu pontos comigo! Rs. Não curto muito fazer "late check in", pra mim a graça é fazer o check in na hora que bebe, porque senão perde um pouco o sentido do aplicativo. Imagina se todo mundo fizesse assim, 10 check ins seguidos, no mesmo minuto? Aí que não daria espaço nenhum pra reflexão mesmo, vira uma timeline muito poluída.

      Excluir
    3. Entendo seu ponto de vista, mas, para mim, o Untappd funciona principalmente para eu ter um registro de tudo o que eu já bebi (já que minhas notas de degustação estão espalhadas em diferentes lugares) e para saber a opinião dos meus amigos sobre o que eles andam bebendo!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
  4. Marcussi em cima do lance (mais uma vez)! Concordo e aplaudo todas suas reflexões. Como a colega acima, contudo, acrescentaria não só academia como todos os imagináveis bens de consumo na lista do narcisismo online. Mais do que a ostentação, as pessoas parecem hoje se gratificarem em conquistar o olhar (e talvez alguma admiração) daqueles que elas mesmas fazem questão de desprezar. Um exemplo disso ao meu ver é a dissimetria que rola em redes como twitter e instagram em que muitos são seguidos e "curtidos" por estranhos os quais pouco se importam sobre a existência O sintoma disso, no caso, é o não seguir de volta. Porém ainda que sigam de volta, isso não significa que enxerguem realmente o outro como um ser individual desejante e sim como uma faceta de si mesmos espelhadas no lago tal qual Narciso em sua triste sina. Tenho grande interesse por este tema e acho que a essência é a mesma. Aliás esse tipo de disputa também acontece de um modo todo específico no mundo acadêmico onde o untappd se transforma em Latte e Linkedins da vida. A questão é que a sociedade contemporânea (alguns autores a classificaria de "pós moderna)" está copletamente destituída de valores subjetivos que compões o sujeito. Procuram então montar a própria identidade como uma colcha de retalhos, diversas vezes fragmentada, alicerçada no objeto, na cultura do corpo e do consumismo como formas de construção do self. Autores contemporâneos como Zygmunt Bauman tratam sobre este contexto com muita originalidade - o conceito de "tempos líquidos" - ou ainda o visionário Guy Debord que décadas atrás já vislumbrava esses tempos conforme disserta em sua obra "Sociedade do Espetáculo".

    O curioso que é estamos inseridos neste contexto e fugir dele ou renegá-lo totalmente nos tornarias uma espécie de "párias" e isso não seria nada bom. Assim sigo jogando o jogo, exercendo minha vaidade narcísica auto-afirmativa dentro de certos critérios, mas sempre tentando não perder-me da minha verdadeira essência. Cerveja boa é cara? Sim. É bacana consumi-las, falar sobre elas, postar fotos, pegar badges, usar as redes? Sim. Mas a estruturação do sujeito, a autoestima, a virtude e o que realmente importa na vida estão bem acima de tudo isso.

    Parabéns pela ousadia de tocar num ponto tão propenso a causar um mal estar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Odimi!

      Suas reflexões situam bem o problema. Há, de fato, uma demanda pela formação de uma identidade e de uma autorrepresentação que passa por uma admiração do outro, a qual precisa ser conquistada pela publicização do consumo. É o feijão-com-arroz da nossa sociedade de consumo, agora potencializada por ferramentas que potencializaram o alcance da autopublicidade.

      Veja, nosso lugar nesse contexto é incômodo. Por um lado, podemos rejeitar certos comportamentos e padrões; por outro, não nos fazemos ouvir se não soubermos pelo menos falar a linguagem que todos estão falando. Por isso, precisamos, sim (falo por mim e por todos os demais blogueiros, cervejeiros ou não) fazer um pouco o jogo. Usar as mesmas ferramentas para tentar, de alguma maneira, relativizar ou questionar as práticas para as quais essas ferramentas tem sido usadas de forma preponderante. É uma tarefa inglória, mas que precisa ser assumida frontalmente se não quisermos nos assumir como uns jurássicos vociferando no vazio.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
    2. Só um comentário para complementar. Eu não vejo essa demanda pela formação de identidade como um fenômeno "pós moderno". Acho que o "pós moderno" é simplesmente a Web (e ai o contexto da "Web 2.0" com sua ideia de todos como formadores de conteúdo).
      Ou seja, essa necessidade de ostentação e esse narcisismo existem a algum tempo. Só que agora tudo aparece pra todos.
      Antes quando eu comprava um tênis novo, só dava pra ostentar com meus amigos mais próximos. Hoje, a foto dessa nova aquisição vai pra todos os meus 5456456 contatos e pra todos os 5645646 contatos desses meus contatos. Acho que essa exposição do narcisismo de todos nós é que dá essa sensação de saturação. Aquilo que no texto você chamou de "repetição monótona de fotos mal tiradas".

      Repetindo aqui uma frase já exaustivamente repetida: As redes sociais estão escancarando o que somos. Mesquinhos e ostentadores, Temos a necessidade de parecer mais ricos, mais descolados, mais antenados, mais sociáveis, mais seiláoque e bla bla bla. No fundo, tudo acaba se resumindo à velha disputa do "meu pau é maior que o seu". Só que agora compartilhado com um numero muito maior de pessoas.

      Enfim. Só um comentário pra tentar acrescentar.
      (olha eu querendo da uma de entendido aqui. Ostentação pura. Agora posso compartilhar esse debate e dizer que sou foda e que participo de debates fodas com pessoas fodas. =D)


      Excluir
    3. Muito lúcido o que você disse, André (apesar de completamente ostentatório e pseudofoda-só-para-se-exibir-em-debates-online! kkkk). Acho sua ressalva muito pertinente. Foi isso que eu quis dizer quando falei que a ostentação de bens adquiridos é o feijão-com-arroz da sociedade de consumo, mas as ferramentas online ampliaram o alcance disso. Vivemos uma época em que o consumismo voltou com tudo, delirantemente, e agora temos ferramentas para fazer autopropaganda de forma mais eficiente. Tá lá no velho Marx (que ninguém mais lê, o que é uma pena), que já falava em "fetichismo" para dizer que o capital faz com que as pessoas valham pelos objetos que elas acumulam.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
    4. Em primeiro lugar, parabéns pelo ótimo texto e pertinente reflexão.
      Eu gostaria só de explicitar uma expressão que acho ter tudo a ver com a discussão: o ego.
      Concordaria com o André, a vaidade do ego existiu por toda a civilização. Afinal, ele é o responsável pelo nosso senso de sobrevivência.
      Se sem limites, o nosso ego só quer mais, mais e mais: mais atenção, ser mais aceito, mais benquisto, mais admirado.
      Na forma como leio a questão, a anomalia está na falta de limites se generalizando. É natural você ter vontade de compartilhar alguma coisa, receber alguns likes dos amigos, ''ostentar'' um pouquinho, isso faz bem pra auto-confiança, o ser humano busca isso. Duro é quando se vicia nisso, se quer mais e mais em detrimento total da humildade e a dinâmica adquire teor até de competição, ou vaidade exacerbada, como bem pontuado no texto.
      Nós estamos aprendendo a lidar com recursos novos pelo método da tentativa e erro, as modas passam e esses comportamentos vão acabar ficando cafonas.

      Excluir
    5. Olá, Diogo!
      Espero realmente que você tenha razão, muito embora eu ande vendo tanta coisa que tinha ficado cafona e agora voltou com tudo...
      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
  5. Então...

    Mais uma vez você escreve bem e agora transcreve um sentimento pessoal. Não ignoro o fato de estar totalmente imerso nessa cultura de transformar cerveja em Pokemon (Catch 'em All), mas sempre procuro o algo a mais seja transmitir um pouco da informação que eu consegui e até mesmo afirmar (no melhor estilo "faça o que digo, mas...") no meu blog após conseguir a badge dos mil rótulos que uma pessoa poderia aproveitar muito mais focando em cervejas boas do que quantidade (até por que uma Indica conta o mesmo número de check ins que uma Dark Lord 2011).

    Também não justifica a ostentação, mas o Untappd é ótimo para satisfazer a necessidade de um registro para consulta (inclusive o site Brew Feed é ótimo para compilar os dados do Untappd, melhor até do que o que ele oferece para os usuários que pagam).

    Abraços,

    Gabriel Lucas
    http://factoide.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não conheço o Brew Feed, vou dar uma olhada. Eu uso o Untappd muito com essa função de registro pessoal de tudo o que eu já bebi (tanto que tenho marcadas mesmo as cervejas que bebi antes mesmo de existir Untappd), talvez seja interessante para mim. Mesmo que eu ainda não tenha chegado aos 1000 rótulos. :-)

      Mas isso que você diz de quantidade é importante. No começo, é fundamental conhecer uma boa variedade de rótulos e estilos; mas, depois de um certo tempo, vale mais uma única degustação bem feita, com concentração e conhecimento, do que 20 degustações apressadas.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
  6. Excelente, Marcussi ! Reflexão interessante e mais do que necessária para entender os possíveis rumos de nosso "mercado cervejeiro em formação / reformulação".

    Abcs,
    Eduardo Guimarães.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Só espero que esses rumos mudem um pouco em relação ao que temos visto!

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir
  7. Eu gosto bastante do Untappd, degusto cerca de 3 rótulos por semana e posto minhas fotos padronizadas que também guardo no computador para meu registro!

    Não pensei pelo lado da ostentação, mas é um ponto a se pensar. Tenho poucos "amigos" no Untappd, felizmente nenhum posta "breja top"!

    Mas realmente, com a glamourização da cerveja, essa proporção de degustadores irá aumentar, será chique fazer um esquenta com cervejas diferentes (Estrella Galicia) e postar um "breja top".

    Enfim, gosto apenas de beber a minha cota, sem me importar! Aliás, te adicionei no Untappd, pois gosto de seu blog e de seus posts no fórum Brejas.

    Abraço,
    Luiz Alexandre

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pronto, Luiz, já estamos amigos lá no Untappd! Agora vc vai poder ver todas as "brejas top" que eu tomo - começando pela ostentatória Bohemia Pilsen que tomei ontem à noite! :-D

      Você é feliz e não sabia. Quem dera eu também não tivesse presenciado repetidamente esse tipo de comportamento que comentei aqui... :-(

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

      Excluir