Se você está acompanhando desde o início esta matéria sobre
cervejas de guarda, já sabe que, embora isso não valha para todas as cervejas,
existe todo um universo de rótulos que podem ficar melhores com o tempo.
Portanto, as opções para montar sua adega multiplicam-se quase ao infinito,
mesmo se considerarmos apenas os rótulos disponíveis no mercado nacional.
Pensando nisso, fiz uma seleção com dez rótulos que me
parecem, atualmente, boas escolhas à disposição de quem quer começar a
envelhecer cervejas de uma forma mais sistemática. Esta seleção baseia-se
primeiramente no potencial de guarda das cervejas, mas também obedece aos
princípios que eu delineei na parte IV desta matéria. Por isso, procurei dar
atenção a cervejas nacionais, evitei os rótulos muito caros (busquei cervejas
que podem ser encontradas abaixo dos R$ 20 no mercado paulistano) e, aqui ou
ali, arrisquei-me em escolhas que não seriam tão óbvias. Essa seleção reflete
algo semelhante às “melhores cervejas de guarda” do mercado nacional?
Definitivamente não. São apenas sugestões muito pessoais – ignore ou faça suas
escolhas dentre estas opções conforme lhe parecer adequado.
Chimay Bleue
Começo esta seleção com este que é, indubitavelmente, um dos
maiores clássicos de guarda da escola cervejeira belga. Dark strong ale
trapista potente, com 9% de álcool, um amargor bem-vindo para a guarda e um
toque de torrefação que fazem com que ela desenvolva notas de couro, madeira e
vinho do Porto que complementam elegantemente a complexidade de especiarias da
receita. Não conquistou à toa sua fama de clássico. Atualmente, tem chegado ao
Brasil a preços ligeiramente mais atraentes, tornando-se uma opção ainda melhor.
Preço: R$ 15-17, em empórios e supermercados (330ml)
Wäls Quadruppel
A Belgian quadrupel da Wäls é uma cerveja relativamente nova,
produzida há pouco mais de três anos. Pode não ter tido tempo o bastante para
comprovar repetidamente sua vocação para guarda, mas com certeza tem um
excelente potencial. Possui alto teor alcoólico (11%), corpo firme e assertivo
e traz, como particularidade, notas de cachaça e melado de cana, devido ao fato
de ser maturada com chips de carvalho embebidos em cachaça mineira. A partir de
dois anos de garrafa, os toques de cachaça se aprofundam e se mesclam
admiravelmente a uma licorosidade de vinho do Porto. Aposte!
Preço: R$ 13-15, nos supermercados paulistas (375ml)
Orval
Cerveja que não segue nenhum estilo definido, ficando entre
uma pale ale belga mais forte e uma saison. Seu teor alcoólico não a qualifica
imediatamente para uma boa cerveja de guarda, mas ela é refermentada na garrafa
com leveduras selvagens do gênero Brettanomyces,
que lhe dão boa evolução. Quando jovem, tem uma presença assertiva do lúpulo no
amargor e no aroma; à medida que envelhece, porém, as Brettanomyces vão tomando conta com sua marcante acidez e seus
cativantes aromas animais. Observe sua evolução por uns cinco anos, comparando
com um exemplar bem jovem (a Orval estampa a data de produção no rótulo), e
surpreenda-se.
Preço: R$ 18-20 (330ml)
Wäls Petroleum
Festejada receita produzida em parceria com os homebrewers da cervejaria Dum, de Curitiba,
levou a medalha de ouro na categoria “Imperial stout” do South Beer Cup assim
que foi lançada, no início de 2012. Tem portentoso teor alcoólico (12%), corpo
assombrosamente espesso devido ao uso de aveia na receita e um amargor
assertivo, tornando-a teoricamente apta a suportar longuíssimos períodos de
guarda, imagino que pelo menos uns 10 anos, se for adegada em boas condições.
Só tem a ganhar em complexidade com o envelhecimento.
Preço: R$ 13-15 nos supermercados paulistas (375ml)
Trappistes Rochefort
10
Apesar de ela não estampar a safra no rótulo, é difícil
imaginar uma Belgian dark strong ale mais adequada à guarda do que este
clássico trapista: o alto teor alcoólico (11.3%), a inacreditável complexidade aromática
e um amargor intenso para o estilo a tornam apta a longos períodos de
envelhecimento. Mesmo dentro do prazo nominal de validade, já é possível
encontrar exemplares em que as frutas, flores e especiarias são enobrecidas por
uma licorosidade oxidativa de vinho do Porto. Sempre foi mais cara do que as
demais trapistas, mas começou recentemente a chegar ao Brasil por menos de R$
20, tornando-se uma boa opção.
Preço: R$ 18-20 em supermercados e empórios (330ml)
3 Lobos Bravo
Imperial Porter
Mais um rótulo brazuca jovem, mas já premiado em concursos
internacionais e com boa promessa de futuro na adega. Maturado em barris de
umburana, ostenta uma presença deliciosamente evidente da madeira mesclando-se
aos maltes torrados, o que se combina a uma potência alcoólica de 9%. Apesar de
ter uma doçura bem marcante, seus 42 IBUs devem ser mais que suficientes para
um bom período de guarda. Minha expectativa é a de que a madeira se aprofunde e
se amplie com o envelhecimento.
Preço: R$ 12 em empórios paulistas (355ml)
Affligem Tripel
Excelente e tradicional tripel belga de abadia que aportou recentemente
no Brasil a preços muito convidativos. Possui malte pouco assertivo e corpo
leve e delicado, mas o teor alcoólico de 9.5% e o intenso perfil floral e de
especiarias devem render um bom potencial de guarda para este rótulo. A alta
carbonatação deve preservar algo de sua vivacidade e jovialidade por um longo
período. Vale a pena ver o que ocorre nos quatro primeiros anos de adega.
Preço: R$ 10-12 em supermercados e empórios (330ml)
Bambergerator Doppelbock
Quem disse que não se podem envelhecer lagers? Sim, é
verdade que as ales e lambics costumam oferecer condições mais favoráveis, mas
podemos nos arriscar com lagers de corpo robusto e alto teor alcoólico, como as
doppelbocks. A versão da Bamberg traz 8.2% de álcool, boa complexidade aromática e amargor bem presente, muito embora não seja refermentada na garrafa. É possível que parte dos aromas de lúpulo se perca, mas que o perfil de maltes se aprofunde ainda mais. Vale a pena
guardar algumas garrafas e comparar com as safras seguintes.
Preço: R$ 10-14, em empórios (600ml)
Gordon’s Finest
Scotch Highland Ale
Não é à toa que as strong scoth ales são popularmente
conhecidas como wee heavy (“bem
pesadas”). Possuem alto teor alcoólico, imenso perfil de maltes e,
frequentemente, toques de defumação advindos do malte de cevada empregado
também na fabricação do uísque. Este exemplar traz 8% de álcool e, apesar da
doçura melada e impactante típica do estilo, apresenta boa lupulagem que se
reflete num final seco e lhe dá excelente estrutura para guarda, além de um
toque amadeirado que deve se aprofundar ainda mais com o tempo, intensificando
a impressão de uísque.
Preço: R$ 18, em empórios (330ml)
Schmitt Barley Wine
A interpretação da sul-rio-grandense Schmitt para as
barleywines mostra-se uma versão “tropicalizada” do estilo, com 8.5% de álcool,
perfil de maltes mais claros e gentis e intenso caráter frutado remetendo a
frutas tropicais e amarelas, perdendo em tipicidade e ganhando em inovação. Não
deve ter o potencial de guarda de uma representante tradicional do estilo, mas
já ouvi relatos de bom desempenho deste rótulo até 5 anos depois do
engarrafamento. É ver para crer!
Preço: R$ 12, em empórios (355ml)
Bem, aí estão algumas das minhas sugestões! Já teve a oportunidade de beber alguma dessas cervejas envelhecida? Discorda das minhas escolhas? Gostaria de adicionar mais uma boa dica aos leitores? Deixe seu comentário!
Fontes das imagens:
Chimay Bleue: alambic-magazine.com
Wäls Quadruppel: crimideia.com.br
Orval: beermerchants.com
Wäls Petroleum: dumcervejaria.com.br
Trappistes
Rochefort 10: flickr.com/photos/chefelf
3 Lobos Bravo
Imperial Porter: bardojota.blogspot.com
Affligem Tripel: editiepajot.com
Bamberg
Bambergerator: edurecomenda.blogspot.com
Gordon’s Finest Scotch Highland Ale: legroschigy.blogspot.com
Schmitt Barley Wine: santacerveja.blogspot.com
Muito interessante a seleção de rótulos a preços acessíveis! Uma maravilha esse blog, vou tentar algumas das sugestões e ver no que dá!
ResponderExcluirNão acredito que só vi essa série do blog agora. De forma rápida e clara me tirou várias duvidas sobre o tema. Parabéns Alexandre pelo blog, na minha opinião um dos melhores para aprender sobre cervejas (uma pena que as postagens não sejam tão frequentes =/ ). Podia lançar mais algumas resenhas de envelhecidas, chegou a envelhecer alguma Wals? Depois de ler a matéria to querendo envelhecer mais algumas.
ResponderExcluirOlá, Leonardo, tudo bem?
ExcluirAgradeço os elogios e digo que eu bem queria poder escrever com maior frequência, mas os posts demandam bastante pesquisa e envolvimento para a escrita, então prefiro publicar menos, mas manter o padrão de qualidade. :-) Por ora, vá se divertindo com as postagens antigas!
Tenho planos escrever regularmente posts sobre minhas experiências com cervejas envelhecidas, à medida que minha adega cervejeira vai dando seus frutos. Por coincidência, tenho um post sobre a Wäls Quadruppel envelhecida, dê uma checada: http://ocrueomaltado.blogspot.com.br/2013/09/cervejas-selvagens-parte-x-comparativo.html. Provavelmente devo abrir nesta ou na próxima semana uma das Wäls Petroleum da minha adega (estão com quase um ano e meio de garrafa), depois posto o resultado por aqui!
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
Olá
ResponderExcluirGostie bastante dessa serie sobre Guarda de Cerveja. Alem dos rotulos citado pensei em alguns e gostarai da sua opiniao
La Trappe Dubbel e Quadruppel
Chimay Tripel
Old Engine Oil (apesar do abixo teor, o corpo vigoroso me faz pensar que essa cerveja possa evoluir muito bem)
Delirium Noctuns
Olá, leitor!
ExcluirDepois de algumas más experiências com guarda de alguns rótulos, estou ficando cada vez mais seletivo nas minhas escolhas. Vejamos as escolhas que você coloca.
La Trappe: esqueça a Dubbel (pouco álcool e pouco amargor), mas talvez a Quadrupel dure uns 3-4 anos devido aos álcoois superiores e fenóis, apesar da baixa torrefação. Só testando.
Chimay Triple: eu não apostaria nela, mas quem sabe os fenóis não ajudam a dar complexidade e a picância não a equilibra?
Old Engine Oil: muito pouco álcool para guarda, não me parece uma boa escolha.
Delirium Nocturnum: não acho que seja uma escolha tão sólida quanto as trapistas do estilo (Chimay, Rochefort, Westvleteren), devido ao amargor relativamente mais baixo. Mas o estilo é propício para uns 5 anos de guarda tranquilamente.
Abraços,
Alexandre A. Marcussi
Olá Marcussi!
ResponderExcluirDescobri seu blog, já envelhecido, a partir de um fórum também cheio de pó do Brejas sobre cervejas envelhecidas e parei para ler toda a sua série sobre o assunto - que por sinal envelheceu muito bem!
Me deparando com as cervejas listadas acima, nos idos de 2012, pensei "Poxa, e se alguém ou o próprio autor seguiu essas dicas de fato lá atrás? Será que já tiveram boas experiências com os resultados? Será que ainda tem alguma cerveja comprada a 7 anos que ainda está envelhecendo?"
Enfim, essa seleção continua válida e as dicas atuais como eu penso que sejam?
Ótima leitura de qualquer forma!
Att,
Arthur
Olá, Arthur,
ExcluirPrimeiramente, agradeço pelo seu comentário e fico contente que esse material, escrito há tanto tempo, ainda tenha podido ser proveitoso para você. Sim, de fato ainda tenho na minha adega muitas das cervejas que comecei a armazenar em 2012 ou até antes disso!
Quanto às recomendações acima, hoje em dia felizmente nosso mercado nacional de cervejas já está bem mais maduro e temos melhores opções de guarda do que essas que eu citei acima. Muitas delas se revelaram, com o tempo, ótimas opções de guarda (como Wäls Quadruppel ou 3 Lobos Bravo), outras nem tanto (como a Bambergerator). Mas boa parte da lista ainda vale o investimento. Contudo, com o mercado do jeito que está hoje, eu certamente investiria em outros rótulos com perfil mais propício à guarda, como as excelentes RIS, barleywines e sour ales que surgiram nos últimos anos.
Abraços,
Alexandre A. Marcussi