Nosso anfitrião Tiago Carneiro, eu, minha
querida
Amanda e meu amigo Bruno na entrada da Wäls.
Fonte: acervo pessoal |
Aproveitei o último feriadão do dia 15 de novembro para
viajar a Belo Horizonte a convite de um grande amigo de infância que as
vicissitudes da vida separaram de mim no colegial. Como, por coincidência, esse
meu amigo faz cerveja em casa, achei que o reencontro seria a oportunidade
perfeita para conhecermos a fábrica da Wäls – que foi eleita no início de 2012
como a melhor cervejaria da América do Sul no South Beer Cup e que, sem fazer
muito mistério, é uma das minhas cervejarias nacionais preferidas.
A Wäls iniciou suas atividades em 1999, produzindo chopes
para uma rede de bares e lanchonetes da família Carneiro, proprietária também
da cervejaria. Por muitos anos, a Wäls produziu apenas o clássico dueto de
American lagers, uma clara e uma escura. Uma primeira tentativa de produzir
estilos mais ousados, ainda no início da década de 2000, não teve boa
receptividade do público. Era preciso esperar o momento oportuno, aquele em
que, para parafrasear Maquiavel, a inegável virtù
dos Carneiro encontraria a fortuna de
um mercado mais receptivo à variedade cervejeira. O momento chegou em 2007,
quando a cervejaria se alçou em grande estilo ao mercado das cervejas
artesanais com o lançamento da Wäls Dubbel. Na época, tratava-se de uma receita
pioneira, a primeira do estilo no Brasil, e uma das poucas então produzidas em
terras tupiniquins seguindo estilos belgas.
De lá para cá, o portfolio da cervejaria não parou de
aumentar: os antigos chopes deram lugar a duas lagers de personalidade, a Wäls
Bohemian Pilsen e a X-Wäls, hoje responsáveis pela maior parte das vendas da
cervejaria. A linha belga se enriqueceu com a Wäls Trippel, a Wäls Quadruppel,
a Wäls Brut (provavelmente a mais ambiciosa das produções da cervejaria) e,
mais recentemente, a Wäls Witte e a Wäls 42. No início de 2012, surgiu ainda,
em parceria com os cervejeiros caseiros da Dum, do Paraná, a muito aguardada
Wäls Petroleum, que faturou medalha de ouro no South Beer Cup. E não parou por
aí: a Wäls está preparando para o final de 2012 ou início de 2013 o lançamento
de mais um rótulo, desta vez em colaboração com a Brooklyn Brewery, de Nova
Iorque: a Saison de Caipira, que levou caldo de cana na composição e que será
vendida simultaneamente no Brasil e nos EUA. De dois para dez rótulos, em 5
anos. E não param os experimentos para possíveis novas cervejas.
Os tanques de fermentação e maturação da Wäls.
Fonte: acervo pessoal |
Babação de ovo à parte, vou contar o que pude conferir na
visita à fábrica. Pois bem: no dia 17 de novembro, pleno sabadão de feriado
prolongado, pela manhã (o que, para um ser notívago como eu, equivale a dizer
“de madrugada”), partimos meu amigo e eu, e mais nossas queridíssimas cônjuges,
em busca das instalações da Wäls, num bairro industrial próximo ao Campus
Pampulha da UFMG. Achar a fábrica sem GPS não foi a tarefa mais fácil do mundo,
já que ela não tem letreiro nenhuma na fachada; mas, uma vez que o portão se
abriu e fomos recebidos com incrível hospitalidade por Tiago Carneiro,
tranquilizamo-nos e aproveitamos a jornada.
Tiago, anfitrião à moda mineira, foi nos guiando por todas
as partes da fábrica, desde os setores produtivos até os espaços onde a Wäls
está projetando novas instalações para receber seu sedento público. A
cervejaria conta com um equipamento de brassagem com capacidade para 20 hectolitros
(2.000 litros) e 17 tanques de fermentação e maturação com a mesma capacidade –
além, é claro, do maquinário para envase, rotulagem e pasteurização. Isso
resulta em uma produção média de 35 mil litros por mês, somando todos os
rótulos.
A taberna da Wäls, quase pronta!
Fonte: acervo pessoa |
A surpresa ficou por conta do que vimos no piso inferior. A
Wäls está reformando o prédio e montando uma adega para receber o público num
ambiente rústico, lembrando uma taberna. O plano é abrir a cervejaria aos
sábados para servir chope Wäls e apetitosos quitutes no almoço, como joelho de
porco. O ambiente deve ficar pronto dentro de aproximadamente três meses. Vale
lembrar que, além desse espaço a ser inaugurado futuramente, a Wäls serve todo
o seu portfólio de chopes em dois bares da marca em Belo Horizonte: o Empório Serafina (que eu pude conhecer e está bem legal) e o Stadt Jever. A taberna da fábrica virá para se somar a esses dois.
Ao lado desse novo espaço, pudemos conferir a cave onde é
feita a maturação da Wäls Brut. Num ambiente escuro, com temperatura e umidade
constantes (devido ao fato de ser subterrâneo), descansam 4 mil garrafas da
Brut em pupitres. Elas se encontram em diversos estágios de sua longa maturação
de 1 ano com leveduras de champagne – algumas recém-engarrafadas, outras
próximas do momento fatídico da expelição e da finalização do processo, e
outras ainda maturando sobre leveduras há muito mais de um ano, verdadeiras Wäls
Brut millésimés guardadas como
tesouro pelos irmãos Carneiro.
A cave onde maturam as Wäls Brut nos pupitres.
Durmam com os anjos; vemos vocês daqui a 12 meses.
Fonte: acervo pessoa |
Tivemos a oportunidade de degustar e revisitar a Wäls Brut
durante a visita. Quem acompanha o blog desde o início sabe que esta é uma
cerveja da qual já falamos aqui. Desde seu lançamento até o presente, seu
processo de produção sofreu algumas alterações, a mais importante das quais foi
a ampliação do tempo de maturação sobre leveduras de 9 para 12 meses.
Comparando mentalmente a nova Brut com aquela que eu já havia degustado antes,
achei incrível a diferença que esses 3 meses a mais fizeram.
Não era a ocasião para uma avaliação detalhada da cerveja,
mas foi fácil perceber que ela ficou decididamente mais ácida, ainda mais seca,
e com aromas mais pronunciados da levedura de champagne, trazendo algo de notas
animais lembrando couro e toques caprílicos e amendoados perceptíveis (chega a
lembrar ligeiramente uma lambic, mas sem acidez lática e acética) ao lado dos
aromas florais, frutados e de especiarias do estilo, estes menos acentuados do
que antes. Se antes ela ficava mais próxima do perfil de outras bières brut, agora a Wäls
definitivamente está fazendo uma cerveja de personalidade única, diferente de
tudo o que há no mercado. Para quem a provou na época do seu lançamento,
realmente vale a pena uma nova degustação. Acho até que uma versão millésimé, com 18 ou 24 meses de
maturação sobre leveduras, talvez não seja uma má ideia para um futuro mais ou
menos próximo.
Seis caixinhas de surpresas!
Fonte: acervo pessoal |
Outra surpresa da visita ficou por conta desses seis barris
que você vê na imagem ao lado. A Wäls adquiriu recentemente alguns barris de
carvalho antes usados para maturar uísques escoceses single malt, e começou a
fazer alguns experimentos com esses barris. Tiago Carneiro aposta que as
cervejas envelhecidas em barris possam ser um horizonte futuro para a Wäls, e
os barris que pudemos degustar trazem prospectos promissores. Provamos três
experimentos da cervejaria: uma Wäls Quadruppel envelhecida em barril por quase
um ano, uma Wäls Petroleum que está no barril por mais ou menos 3 meses, e um
blend de várias ales mais fracas com adição de avelãs, que foi maturado em
carvalho.
O blend com avelãs acabou sendo atropelado pela madeira e
pela oxidação: talvez uma receita-base mais potente possa aguentar melhor o
tranco. A Petroleum do barril mantinha ainda seu forte perfil de torrado, mas
tinha se transmutado completamente nos três meses de madeira: adquiriu uma
acidez lática forte, que a desequilibrou um pouco, e desenvolveu um intenso
aroma lembrando acetona, que para mim remeteu à Duchesse de Bourgogne, uma
Flanders red ale que adquire as mesmas características depois de maturar em
carvalho. O maior destaque ficou por conta da Quadruppel envelhecida: ela
mantinha ainda a forte doçura caramelada e frutada da cerveja-base, mas havia
sido enriquecida por características intensas de oxidação e guarda: muito vinho
do Porto e ameixas no aroma, madeira, algo de molho shoyu ou molho inglês e
acético. No paladar, tornou-se solidamente salgada e acética. Eu a tomei com
gosto assim mesmo, pura, mas entendo que é uma experiência radical, para
pequenas doses. Segundo Tiago, estuda-se a possibilidade de utilizá-la como
parte de um blend, para atenuar suas sensações mais extremas sem perder sua
complexidade. Pelo menos para este fã de cervejas envelhecidas, promete!
Provando a Saison de Caipira direto do tanque.
Fonte: acervo pessoal |
Ao final, Tiago nos apresentou uma última surpresa antes de
irmos. Ocorre que o mais novo projeto da Wäls havia sido brassado exatamente
uma semana antes da nossa visita. Trata-se da Saison de Caipira, produzida em
parceria com a Brooklyn Brewery. A cerveja leva caldo de cana na composição e
será, portanto, um fermentado misto de grãos e cana-de-açúcar. Inclusive,
enquanto estávamos lá, Tiago estava transmitindo informações sobre o andamento
da cerveja para Garret Oliver, mestre-cervejeiro da Brooklyn e corresponsável
pela produção. A fermentação estava sendo finalizada naqueles dias, e nós
pudemos prová-la direto “da teta da vaca”, ainda sem maturação. Foi possível
sentir um aroma esterificado bem característico do fermento belga da Brooklyn,
que lembra algo entre tutti-frutti e dama-da-noite, ao lado de um aroma
inconfundível de caldo de cana. A atenuação parece ter ido bem, de modo que ela
estava menos doce do que eu esperava. Aguardo ansioso pelo lançamento, entre
dezembro e janeiro.
Ficou com vontade de conhecer também a fábrica da Wäls? A
cervejaria tem um programa de recepção de grupos de visitantes: basta se
cadastrar no site e agendar a visita!
Esclarecimento: todas as degustações realizadas durante a visita foram cortesia do fabricante.
Esclarecimento: todas as degustações realizadas durante a visita foram cortesia do fabricante.
Oi Alexandre ! Adorei o post! Foi uma manha/madrugada muitíssimo agradável! Achei ótimo os "toques caprilicos". Parafaseando o Bruno e "como morder uma cabra" hehe! As cervejas estavam mesmo sensacionais e o Tiago e muito agradável mesmo! Agora esperamos uma nova visita sua e da Amanda para conhecermos a taberna da wals! Beijao! Luiza.
ResponderExcluirOlá, Luíza! Realmente foi um feriado muito legal, não vejo a hora de poder voltar lá com vocês para conferir a taberna! Sabe que eu sempre me lembro do "chupar a perna da cabra" do Bruno quando sinto caprílico no queijo de cabra ou na cerveja? :-D
ExcluirParabéns pelo Post.
ResponderExcluirSou fã da wäls e tenho muito vontade de conhecer a fábrica, acho que quando for, a taberna já estará funcionando, dessa forma mato dois coelhos com uma cajadada só.
Abraço
Pois é, e eu terei uma boa desculpa para voltar lá outra vez!
ExcluirAbraços!
Sou um grande fã da Wals também, ainda mais sendo conterrâneo dos mestres cervejeiros de lá! E, confesso, me sinto envergonhado de não tê-la visitado até hoje. Acabou de entrar para a minha lista de resoluções do ano que vem, caso este não acabe hoje, hahaha. Parabéns pelo blog, mais uma vez!
ResponderExcluirAproveite para conhecer o novo espaço de visitantes, que deve ficar pronto em breve, e depois me diga o que achou!
ExcluirAbraços!