sexta-feira, 1 de março de 2013

Coleções cervejeiras: Minha coleção de rótulos


Minhas férias de início de ano têm sido uma oportunidade perfeita para cuidar de uma daquelas sarnas que eu sempre arrumo para me coçar: uma coleção de rótulos de cerveja. Sempre fui um colecionador: na infância, meu pai me confiou duas coleções que ele mantinha – uma, bem pequena, de moedas estrangeiras e uma de selos. Logo na sequência, eu comecei minha própria coleção, influenciado pelo meu pai: como ele fumava na época, comecei a colecionar maços e caixas de cigarro, que eu desmontava e colava em folhas de papel num fichário. O fato de meu pai ser do ramo da indústria de embalagens certamente influenciou essa minha forma de guardar minha coleção. Eu saía andando pelo meu bairro pegando maços vazios jogados ao chão, e de vez em quando meu pai comprava uma marca diferente da que ele gostava só para aumentar a coleção. Curiosamente, nunca cheguei a me tornar fumante, mas ainda tenho um carinho especial pelo cheiro do tabaco que fica impregnado nas embalagens.

A coleção de embalagens de cigarro foi abandonada algum tempo depois, mas o hábito do colecionismo me fisgou em definitivo. Durante a adolescência veio a paixão pelos quadrinhos e, naturalmente, o hábito de colecionar revistas, que eu abandonei pouco tempo depois e agora, depois de mais velho, voltei a cultivar. Depois disso, eu ainda colecionei as cartas de um jogo de baralho chamado Magic: the Gathering. O jogo era muito divertido, e as cartas, com belíssimas ilustrações, também rendiam uma coleção de encher os olhos, que eu guardo até hoje. Quando eu me dei conta de que o jogo estava tomando mais do meu tempo e do meu dinheiro do que eu gostaria, parei de jogar e investir na coleção.

A Basílica de São Pedro, no Vaticano, contém uma das 
mais importantes coleções de arte renascentista 
e barroca do mundo.
Fonte: whatafy.com
O colecionismo está longe de ser um hábito universal. Na verdade, ele é típico do mundo ocidental moderno, em especial após o século XIX. É verdade que coleções de arte já existiam no mundo ocidental há muito tempo: na Grécia antiga, os templos dedicados às musas (filhas de Mnemosine, deusa da memória, com Zeus) enchiam-se com as obras de arte produzidas pelos artistas que eram inspirados por essas figuras mitológicas – tratava-se dos chamados museion, palavra que deu origem ao termo museu. A partir da baixa Idade Média, em especial do século XIII em diante, a prosperidade das cidades e da Igreja permitiu um acúmulo de magníficas obras de arte nas grandes catedrais. Tanto é que algumas igrejas possuem acervos artísticos mais relevantes do que muitos museus de arte. A partir do século XV, as cortes da nobreza europeia também passaram a acumular as obras de arte produzidas para retratar os nobres e os feitos memoráveis das monarquias. Contudo, em todos esses casos, não se tratava de mero colecionismo: a reunião de obras de arte submetia-se a fins religiosos ou políticos. Ensinar a religião ou ostentar o poder e a riqueza eram mais importantes do que os objetos em si.

Já para o final do século XVIII, porém, o colecionismo começou a ganhar ares mais definidos com a formação de grandes acervos museológicos abrangentes, que seguiam critérios científicos e cronológicos. O desenvolvimento da botânica e da zoologia também estimulou muito esse tipo de coleção totalizante, pois a coleta de espécimes e a formação de coleções completas era um dos principais instrumentos para o desenvolvimento das teorias científicas e dos sistemas de classificação. Quanto mais abrangente fosse uma coleção, quanto maior fosse o número de espécies diferentes que ela conseguisse incluir, ou quanto mais representativas fossem as amostras, maior seria o seu valor. O século XIX foi a época das grandes coleções universais: por meio do colecionismo, a cultura europeia da época, profundamente imperialista, criava para si uma espécie de miniatura do mundo inteiro, e reforçava assim sua pretensão à dominação da natureza e do globo. Colecionar era uma forma de visualizar a dominação. Totalidade, abrangência, representatividade, classificação e controle passaram a ser as palavras-chaves do novo colecionismo.

A Exposição Mundial de Londres, em 1851, selou o vínculo 
entre colecionismo, museus e imperialismo. Cada país 
tinha um “stand” com objetos ou elementos 
considerados “típicos”.
Fonte: expotalk.ags-expo.com
Esses valores tipicamente oitocentistas passaram das grandes coleções institucionais para os hobbies privados, e até hoje se imprimem em nossos hábitos colecionistas. Queremos sempre que nossas coleções sejam as mais completas possíveis, que incluam o maior número de espécimes diferentes. Algumas coleções são fechadas, como os álbuns de figurinhas: uma vez que você completa todas as figurinhas, a coleção acaba. Mas, para um verdadeiro colecionista, isso é frustrante, pois o mundo jamais se esgota dessa maneira – e a coleção deve funcionar como uma espécie de miniatura de um certo mundo. O colecionista inverterado gosta mais de coleções abertas, que ele sabe que nunca podem ser completadas. Mas, mesmo assim, ele se esforça para que sua coleção seja abrangente, que inclua a maior quantidade possível de espécies dentro das fronteiras que ele definiu. Se ele coleciona selos do mundo todo, não está feliz enquanto não tem um de cada continente, talvez mesmo um de cada país. Se ele coleciona apenas selos brasileiros, quer pelo menos um de cada série. E por aí vai.

Quando comecei a beber cervejas diferentes, não demorou para emergir a minha ânsia colecionista – esse meu terrível hábito imperialista e oitocentista. Meu primeiro impulso foi o de colecionar garrafas e latas vazias – como é a primeira ideia da maior parte dos colecionadores de cerveja. Contudo, como colecionador sistemático que sou, eu logo percebi que isso criaria problemas para mim. À medida que a coleção crescesse, eu teria de encontrar cada vez mais espaço para as garrafas. Parecia razoável manter uma coleção de 100 garrafas em minha casa; mas e quando ela chegasse a 200, 500, mil garrafas? Dúvidas como essa foram as primeiras a assolar minha mente colecionista. Com o tempo, eu teria apenas duas alternativas: ou eu construía um espaço apenas para guardar, organizar, expor e classificar as garrafas, ou teria de abdicar da coleção. Sim, porque, para um colecionador, de nada vale uma coleção que não pode ser organizada e visualizada. Caixas e maleiros lotados de garrafas velhas que eu não posso olhar são só entulho, e não uma coleção.

OK, admito que uma vista dessas atiça minha sede 
cervejeira, mas não meu ímpeto colecionista.
Fonte: www.goodbeergoodpubs.co.uk
Como construir um espaço só para a coleção era algo inviável para mim, percebi que eu teria de otimizar o espaço. Por isso, em 2008, decidi começar a fazer uma coleção de rótulos de garrafas: em vez de guardar as garrafas em si, eu retirava os rótulos e guardava só eles, o que representava uma imensa economia de espaço. A princípio, eu também cortava a base e a parte superior das latinhas, aplainava-as e guardava as lâminas de metal como se fossem rótulos, mas depois parei de fazer isso, pois era muito trabalhoso e o resultado nem sempre era tão positivo quanto eu gostaria. Muitos colecionadores de rótulos gostam de entrar em contato com as cervejarias e encomendar rótulos novos, sem as cervejas correspondentes. Eu, pelo contrário, decidi que minha coleção seria composta apenas por rótulos de cervejas que eu havia bebido – seria uma coleção de rótulos usados das cervejas que eu mesmo tomei.

Assim sendo, a coleção não seria apenas de rótulos, mas também de experiências: era uma forma de manter um registro das diferentes sensações que aquelas cervejas haviam me proporcionado. Nunca me interessei por muito tempo por coleções que eu não tivesse, de alguma maneira, usado. Comecei a registrar por escrito essas sensações: eu escrevia e imprimia as impressões que tive das cervejas que bebi, para guardá-las junto com os rótulos. Com o tempo, obviamente esses registros foram ficando mais elaborados, até chegarem ao formato que eu emprego atualmente (as fichas de avaliação que compartilho com meus leitores na página de Cervejas avaliadas deste blog). Mais que uma “miniatura” do mundo cervejeiro, minha coleção passou a ser, antes de mais nada, uma “miniatura” do meu próprio percurso de aprendizado cervejeiro. É sempre um grande aprendizado reavaliar uma cerveja que eu bebi antigamente e depois comparar as anotações antigas com as novas. Com o tempo, minha coleção começou a se tornar parecida com aquilo que os enófilos chamam de “wine journal”: uma reunião de rótulos bebidos, acompanhados de registros e anotações de degustação para fins de aprendizado.

De 2008 para cá, cinco anos já se passaram. O número de rótulos foi crescendo sem parar, sendo que minha última contagem atingiu 622 rótulos diferentes – e um número mais elevado de avaliações, contando as cervejas que bebi em chope ou em lata e aquelas de cujas garrafas não consegui me apossar. Salvo engano, eles compõem hoje a coleção a que me dediquei ininterruptamente por mais tempo em minha vida. Não houve uma única semana, desde o início, em que a coleção não tenha se enriquecido com alguma coisa – seja uma nova degustação, um novo rótulo ou uma nova avaliação.

Devo admitir que dá muito mais trabalho retirar os rótulos do que simplesmente guardar as garrafas, mas a verdade é que minha coleção atualmente precisaria de numerosas estantes se eu fosse manter as embalagens inteiras e, da maneira como escolhi fazer, eu preciso apenas de alguns fichários. Minha biblioteca, que já ocupa prateleiras suficientes, agradece. Alguns rótulos são tão fáceis de retirar das garrafas que quase saem sozinhos, sem esforço algum, no próprio balde com gelo no bar. Outros são muito, mas muito mais desafiadores, e requerem toda uma gama de técnicas especiais. Já tive a oportunidade de discutir essas dificuldades e trocar ideias e experiências com vários outros colecionadores – existe até um tópico no fórum do portal Brejas exclusivamente dedicado a discutir as melhores maneiras de retirar rótulos. Na próxima parte desta matéria, exporei aos meus leitores minha metodologia, dando algumas dicas sobre como retirar os rótulos e organizar sua coleção. Se você tem algum resquício de colecionismo em sua alma, não perca!

9 comentários:

  1. Pelo que vejo você tem uma certa queda por tudo que pode ir em um fichário. Desde que te conheço você sempre teve um.

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    1. Guilty as charged! Com a diferença de que, agora, são quatro ao todo para abrigar a coleção!

      Abraços!
      Alexandre A. Marcussi

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  2. Não sei se tenho espírito de colecionador, mas coleciono copos de cervejas, por enquanto são poucos copos, acho que 21.
    É pouco eu sei, mas comecei há pouco tempo...

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  3. OLA AMIGO,VOCE TEM A COLEÇAO DE CIGARROS AINDA SE TIVER MEU E-MAIL alcenirmarcos@bol.com.br pode entrar em contato comigo.

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  4. OLA AMIGO,VOCE TEM A COLEÇAO DE CIGARROS AINDA SE TIVER MEU E-MAIL alcenirmarcos@bol.com.br pode entrar em contato comigo.

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  5. OLA AMIGO,VOCE TEM A COLEÇAO DE CIGARROS AINDA SE TIVER MEU E-MAIL alcenirmarcos@bol.com.br pode entrar em contato comigo.

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    1. Poxa vida, infelizmente não tenho mais essa coleção. Se tivesse, teria prazer em oferecer para algum colecionador!

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  6. Seus posts são realmente aulas. Sou estudante de História da Arte na UNIFESP, e gostaria apenas de lhe lembrar dos Gabinetes de Curiosidades lá do século XVI, vejo a iniciativa como um dos primeiros impulsos colecionistas do ocidente, por isso, sem querer ser chato, entendo que os templos gregos não possam ser pensados como 'coleções', da forma que pensamos o ato de colecionar hoje. Curto muito seus posts, tenho muitos para ler ainda.

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    1. Olá, Gypsy!

      Fico contente que esteja gostando das leituras. Você tem razão, os gabinetes de curiosidades são uma ótima lembrança nesse sentido. Contudo, à semelhança das grandes "coleções" de arte da antiguidade e da Idade Média, eles não seguiam critérios definidos ou métodos de classificação. Eram reuniões relativamente aleatórias de coisas retiradas das mais variadas partes do mundo por viajantes e navegadores. A meu ver, o colecionismo moderno começou com as grandes coleções do século XVIII, organizadas e abrangentes.

      Abraços,
      Alexandre A. Marcussi

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